Chega o final de ano e com ele o 13o salário. Estimativas do Dieese dão conta de que cerca de R$ 85 bilhões serão injetados na economia em 2009 com os depósitos do 13o nas contas dos brasileiros, valor 8% superior ao pago ano passado – no total, cerca de 70 milhões de brasileiros (trabalhadores, aposentados e pensionistas) devem ser beneficiadas, número 2,4% maior que o do ano passado.
Agora que você tem noção de alguns números em torno do 13o salário, surge a pergunta que não quer calar: ao receber o “bônus”, qual será sua função diante de seus compromissos e interesses financeiros? O dinheiro será usado para consumo (compras, presentes etc.), para poupança (investimento) ou para pagar dívidas (cheque especial ou cartão de crédito)? As respostas divergem e preocupam.
De acordo com pesquisa realizada pela Anefac (Associação de Executivos de Finanças), o principal destino do 13o será a quitação de dívidas. Veja os resultados deste levantamento feito com 624 consumidores de todas as classes sociais:
- 64% vão usar o dinheiro para pagar cartão de crédito e cheque especial, entre outras contas;
- 17% vão usar o dinheiro para comprar presentes;
- 10% vão usar o 13o para os gastos de início de ano;
- 2% vão usar o dinheiro para compra/reforma da casa;
- 1% vão usar o montante para poupança/investimento.
Resulta que pouquíssimos brasileiros consideram o dinheiro extra como uma alternativa de formar poupança e investir no futuro. Observando de outra forma, fica claro que o 13o salário está incorporado na agenda financeira das famílias e que sua chegada é bastante antecipada – gastos “em seu nome” são feitos muito antes do final do ano.
Vejamos outra pesquisa, realizada pela ACSP (Associação Comercial de São Paulo), baseada em mil entrevistas realizadas em 70 cidades de nove regiões metropolitanas:
- 36,6% dos entrevistados vão usar o dinheiro para fazer compras;
- 31,7% vão usar o 13o salário para o pagamento de dívidas;
- 14% vão usar o dinheiro extra para poupança e investimento;
- 7,3% não sabem o que vão fazer com dinheiro;
- 4,9% pagarão uma viagem;
- 4,9% usarão o dinheiro para reforma/compra de casa.
As proporções se alteraram em relação à primeira pesquisa apresentada, mas as conclusões persistem. O consumo, representado também pelos compromissos assumidos que ultrapassam o bom senso, continua líder disparado na relação com o futuro e com a qualidade de vida. Para os que se interessarem, uma análise mais detalhada desta pesquisa da ACSP pode ser encontrada em recente materia do portal InfoMoney.
Algumas reflexões
Os números estão ai e retratam como age boa parte de nossa população. Intrigado com as respostas, pensei: “Por que não investigar como pensa o leitor do Dinheirama, que tem doses diárias de educação financeira e busca trabalhar bem seu orçamento familiar?”. Abri então uma enquete sobre o uso do 13o salário, disponível na barra lateral aqui do blog. Creio que dentre aqueles interessados e engajados, educação financeira faça mesmo diferença.
No final, o problema não está no uso do dinheiro extra recebido no final de ano, mas nas responsabilidades a que seu dono se amarra sem qualquer planejamento. O que acontece?
- Porque não planejou suas despesas, passa um Natal farto, viaja no reveillón, mas parcela em condições ruins os estudos e usa o cheque especial para cobrir a necessidade de pagar impostos no início do ano;
- Porque antecipou restituição de Imposto de Renda e acabou exagerando nas compras do ano, decide usar o 13o salário para dar vazão aos desejos de um Natal repleto de presentes e um final de ano digno de comemoração. E atrasa o pagamento do cartão de crédito que ele esqueceu de guardar e que insiste em assustá-lo em janeiro seguinte;
- Porque o 13o salário evaporou ao quitar dívidas passadas, mas não se fez presente o suficiente para deixar a lição, o ensinamento. Afinal, dizem, dever um pouco faz parte e a cabeça do brasileiro funciona melhor quando se pensa em quanto ele pode pagar. Nada custa R$ 1000,00, mas sim 10 vezes de R$ 100,00. O Natal farto se garante e os impostos e novas dívidas são jogados para o ano seguinte, rolados com “jeitinho” e uso do crédito (cartão, cheque especial, CDC etc.).
Só assim…
Alguns insistem na romântica visão de que, não sendo assim, nada se conquista. E vão além: sem se endividar, o brasileiro não consegue manter em dia sua felicidade e satisfazer alguns de seus desejos. Para estes, a equação é simples: um Natal farto vale por muitos dias tristes e sem dinheiro. E concluem: para os dias tristes, há sempre um cartão de crédito, um carnê ou um especial pedaço de papel aceito como dinheiro.
Farto? Felicidade? Tristeza? Caro? Juros? Crédito? Tais fortes palavras representam muito mais para nossa capacidade de justificar que para a realidade de nossas vidas. Distorcemos as razões usadas para consumir de forma a criar uma barreira contra qualquer crítico do consumo desequilibrado. E o 13o salário é a oportunidade de fechar o ano com “chave de ouro”, comprando ou pagando por aquilo que nos faz melhores.
Ironicamente, o que nos faz melhores agora não nos diferencia assim que o ano novo começa. E a perseguição continua. Transformamos a felicidade em algo medido pela quantidade de desejos satisfeitos, sonhos realizados. O fim, muitos já descobriram, é uma família dilacerada, com dívidas insustentáveis, baixa autoestima e muita culpa. Tudo em nome da felicidade. Como se ser feliz fosse assim tão difícil.
Crédito da foto para stock.xchng.