O Brasil pode sofrer o pior evento de branqueamento de corais da história, à medida que as águas extremamente quentes danificam os recifes da maior reserva marinha do país, no litoral de Alagoas e Pernambuco, ameaçando o turismo e a pesca da região.
Com os corais do mundo todo sofrendo agora o quarto evento de branqueamento em massa em três décadas, alguns especialistas acreditavam que os recifes do Brasil fossem poupados, como aconteceu durante eventos anteriores.
O branqueamento é desencadeado pelas altas temperaturas da água, que fazem com que os corais expulsem as algas coloridas que vivem nos seus tecidos. Sem as algas para fornecer nutrientes aos corais, eles podem morrer de fome.
“Nunca ninguém me ligou sobre o branqueamento no Brasil”, disse Greg Asner, diretor do programa Allen Coral Atlas, que monitora recifes globalmente por satélite.
Mas enormes extensões de corais têm se tornado brancos ao longo do litoral entre os Estados de Alagoas e Rio Grande do Norte, incluindo o parque marinho de 120 quilômetros de extensão chamado Costa dos Corais.
Quatro cientistas que monitoram os corais disseram à Reuters que este ano está a caminho de registrar o pior branqueamento já visto na Costa dos Corais, e possivelmente em todo o país.
As temperaturas do mar bateram recordes no último ano, à medida que as mudanças climáticas intensificam o fenômeno El Niño, que normalmente aquece o globo a cada seis ou sete anos.
Os recifes do Brasil estão um tanto isolados daqueles do Caribe e têm a maior porcentagem de corais não encontrados em nenhum outro lugar da Terra, incluindo pelo menos sete espécies ameaçadas de extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Quase 100% dos corais em algumas partes do parque marinho foram afetados e alguns começaram a morrer, disse Miguel Mies, diretor de pesquisas do Instituto Coral Vivo. Um recife menos famoso na ponta do Brasil, perto da cidade de Natal, está sendo ainda mais atingido, disse ele.
Mergulhadores na Costa dos Corais mediram temperaturas da água de cerca de 33°C, em comparação com cerca de 27ºC quando os corais estão mais confortáveis.
“O branqueamento é bem intenso”, disse à Reuters Pedro Pereira, coordenador do Reef Conservation Project, uma organização sem fins lucrativos, entre mergulhos para inspecionar o recife. “A gente tá vendo a extinção em frente dos nossos olhos de um ecosistema lindo e maravilhoso”, disse ele.
Conta de Danos
Para a cidade de Maragogi (AL), os recifes coloridos e as águas azuis cristalinas da Costa dos Corais ajudaram a construir uma próspera indústria turística.
O turismo gera cerca de 908 milhões de reais a cada ano para Maragogi e os municípios vizinhos de Ipojuca e São Miguel dos Milagres, de acordo com a instituição conservacionista Fundação Grupo Boticário.
Milhares de pessoas na região também trabalham na pesca artesanal, praticamente a única alternativa econômica ao turismo, disse Claudio Sampaio, professor de engenharia de pesca na Universidade Federal de Alagoas.
Neste ano, as capturas de polvo, peixe e lagostins diminuíram, com o branqueamento e as altas temperaturas agravando os problemas existentes de poluição e pesca excessiva, disse Johnny Antonio da Silva Lima, um pescador de 40 anos que vive na Costa dos Corais.
“É um calor, às vezes, insuportável. E a gente consegue sentir isso porque a gente está sempre andando nas pedras, em busca de polvos principalmente, e também para pescar com linha de vara na beira dos corais. A gente sente isso na pele”, disse Silva Lima.
A maioria dos corais do Brasil vive em águas mais turvas, ajudando a protegê-los do sol, e cresce em formações massivas que também os tornam mais resistentes, de acordo com um estudo de 2020.
Anteriormente, os recifes só foram atingidos por um evento mortal de branqueamento em 2019-2020, que matou até 50% das espécies distintas de corais-cérebro da região e 90% dos seus corais de fogo ramificados.
O atual branqueamento está atingindo novamente essas mesmas espécies no parque Costa dos Corais, disse Mies.
Os corais são animais que possuem uma relação simbiótica com microalgas que vivem em seus tecidos, conferindo-lhes cores brilhantes que se perdem em um evento de branqueamento.
“Um coral branqueado seria algo como se nós, seres humanos, de repente tivéssemos pele e órgãos transparentes. Assim, você poderia ver nossos ossos sob a pele”, disse Mies.
Os corais podem se recuperar caso a temperatuda das águas arrefeça a tempo de serem repovoadas por microalgas.
Se o branqueamento atual se tornará o mais severo já registrado em nível nacional, dependerá do recife de Abrolhos, mais ao sul, também estar tão danificado quanto em 2020, disse Mies.
Até agora, o recife de Abrolhos tem sofrido impacto limitado. Mas com a expectativa de que as águas permaneçam quentes até abril, Mies diz que isso pode mudar.
O que quer que sobreviva deve ser estudado para determinar quais as características que ajudaram a torná-lo mais resiliente, à medida que os cientistas tentam aprender quais as espécies que podem resistir às mudanças climáticas, disse Asner, do programa Allen Coral Atlas.
“Esses serão os indivíduos genéticos que se propagarão e florescerão em algum mundo futuro”, disse ele.