Neste mês de março, o Dinheirama celebra o fundamental papel das mulheres na sociedade e sua enorme contribuição para com a educação financeira e o ecossistema empreendedor.
Lançamos o eBook gratuito “Finanças Pessoais para Mulheres” (clique para download) e no decorrer desta semana publicaremos entrevistas especiais com grandes mulheres da cena empreendedora brasileira.
A primeira entrevista é com Camila Farani, 34 anos, uma referência quando se fala em empreendedorismo no Brasil. Camila é Presidente no Gávea Angels, primeiro grupo de investidores-anjo do Brasil, e está à frente do MIA (Mulheres Investidoras Anjo), uma iniciativa que busca fomentar o investimento-anjo feminino.
Nessa entrevista, ela conta um pouco sobre a sua história e fala sobre o novo perfil das mulheres empreendedoras.
Camila, conte um pouco de sua trajetória e de como o empreendedorismo surgiu na sua vida.
Camila Farani: Nasci em uma família que tinha como ponto central uma mulher empreendedora. Com a perda do meu pai (eu tinha quatro anos na época) vi surgir uma figura forte e inspiradora, minha mãe, que ao lado do meu irmão começou a administrar uma tabacaria no Rio de Janeiro.
Aos 16 anos, comecei a trabalhar no negócio fazendo todas as funções. Aos 20 anos sugeri uma pequena inovação para o negócio e tive êxito no resultado. Foi justamente aí que percebi que minha visão diferente e inconformista poderia fazer sentido. Descobri que eu poderia fazer acontecer.
Ingressei na faculdade de Direito e com o pouco capital que dispunha na época, reinvesti sistematicamente para abrir negócios na área de alimentação. Aos 23 anos já comandava minha própria empresa e aos 26 anos já tinha quatro negócios.
De lá para cá, com o passar dos anos e aquisição de experiências na área, fui convidada a ser diretora de um novo projeto de alimentação saudável, da Rede Mundo Verde. Foi quando passei a adquirir mais conhecimento sobre negócios e suas viabilidades econômicas e gerenciais.
Quando decidi sair do grupo Mundo Verde, já com uma bagagem de aprendizado, voltei para meus negócios e criei o Grupo Boxx, consolidando as marcas de alimentação e criando novos segmentos em serviços para empresas como também ao público final. Nesse período, um amigo me convidou a conhecer o que era investimento-anjo e startups.
Decidi ir a um fórum do Gávea Angels, no Rio de Janeiro e ali me apaixonei pelo empenho e dedicação tanto dos investidores quanto dos empreendedores em estabelecer novas formas de empreender e investir via tecnologia. Era fascinante conhecer outros negócios e poder fazer parte deles de uma certa forma.
Ao longo desse caminho, procurei me especializar tecnicamente já que a prática eu vivenciava por mais de 15 anos. Fiz cursos de especialização em empreendedorismo na Babson College e Customer Development em Stanford.
Co-fundei a Lab22, junto com dois outros grandes investidores anjo, para um laboratório de investimento-anjo no Brasil, para auxiliar na criação e gestão de startups de tecnologia.
Este ano tive a honra de ser nomeada Presidente da Gávea Angels, associação privada sem fins lucrativos, com o propósito de promover o desenvolvimento de startups, a mesma que havia ingressado quatro anos atrás. Também sou professora de empreendedorismo e inovação no curso de pós-graduação da FGV e participo de grupos e entidades focados em apoiar startups.
Investimento-anjo é um investimento de grande risco. Por que você decidiu se tornar anjo e qual tipo de análise você faz para diminuir o potencial de risco em suas escolhas?
C.F.: Tudo aconteceu de forma muito natural. Fui participar de um evento na Gávea (Angels) e sentei em um auditório com aproximadamente 35 homens, ali naquele momento despertou uma vontade que até então era desconhecida.
Eu me apaixonei por investimento-anjo e comecei a avaliar empresas e estudar muito para entender como todo aquele universo funcionava. Uma mulher na época me disse que tinha uma empresa de cosméticos e tinha uma grande dificuldade de dialogar sobre negócios porque não existiam investidoras. Foi aí que comecei a me dedicar de verdade (ao investimento-anjo) e consequentemente aos seus desdobramentos no mercado.
Depois fiz um curso em Stanford, com Steve Blank, um dos maiores nomes do cenário empreendedor, para entender a dinâmica das startups, mas sobre investimento eu aprendi na prática, estudando muito e observando como fundos de venture capital faziam para adaptar ao modelo de investimento-anjo.
Os riscos estão presentes em qualquer investimento que façamos, mas algumas dicas para quem deseja entrar na área e que pode ajudar a evitar erros desnecessários giram em torno principalmente do controle da ansiedade e do impulso.
Um investidor-anjo analisa umas 10 startups no primeiro momento, não faz investimento de cara, questiona, estuda o negócio em todas as suas vertentes. Outra coisa: invista com quem já faz isso há mais tempo.
Eu adotei essas premissas e aprendi com quem já fazia (todos homens, claro!) Agora quero reverberar isso para o conhecimento chegar a outras mulheres, este é o objetivo.
Leitura recomendada: Por que o Investimento Anjo é um bom negócio?
Conte um pouco sobre a criação do MIA (Mulheres Investimento Anjo). Como funciona o grupo e qual é o seu objetivo?
C.F.: Como eu disse acima, este ainda é um universo onde a atuação masculina predomina e honestamente não vejo nenhum problema nisso. O aprendizado é enriquecedor e complementar aos nossos atributos que vêm da essência, como sensibilidade, multitarefas e olhar detalhista.
Ao longo das últimas décadas, nós mulheres quebramos diversos tabus e paradigmas e já está mais que provado que somos capazes, competentes e extremamente profissionais.
Foi pensando em tudo isso que em 2014 fundamos o Mulheres Investidoras Anjo (MIA), grupo que busca atrair mulheres para investir em startups no Brasil e, consequentemente, ajudar mais mulheres a criar negócios inovadores. Estudamos algumas pesquisas que relatavam que mulheres investem muito mais em mulheres e com isso conseguimos ter um impacto no ecossistema todo.
Acho que a mulher tem que entender e se conscientizar da importância do associativismo e do networking. Você precisa se unir com pessoas que têm interesses semelhantes aos seus.
Como você analisa o perfil da mulher empreendedora? O que tem levado as mulheres a empreender? Há alguma mudança em relação a alguns anos atrás? Como o interesse das mulheres por empreendedorismo evoluiu ao longo do tempo?
C.F.: Nos últimos anos houve crescimento, em relação a conscientização e acesso às oportunidades e atuação das mulheres nesta área, sem dúvida nenhuma. Acho que essa amplificação que a gente tem (do empreendedorismo) se deu em função da revolução tecnológica que está trazendo muito mais força para as mulheres. Alia-se a isso movimentos femininos (ou feministas) ao longo de todo o mundo ganhando força.
Sem contar que ter mulheres no poder também alavanca movimento e consequentemente acaba inspirado as demais que passam a pensar “se ela conseguiu, eu também posso”.
Quando você vê mulheres como a Luiza Helena Trajano (do Magazine Luiza) liderando esses movimentos femininos, o engajamento também aumenta, além de iniciativas como o MIA e a Rede Mulher Empreendedora.
Quais são as maiores dificuldades de hoje para as mulheres que querem empreender?
C.F.: As principais dificuldades giram em torno da própria autoconfiança e autoconhecimento. Quando a mulher acredita em si mesma e entende quais são seus objetivos ao empreender e principalmente aonde pretende chegar, tudo fica infinitamente mais fácil.
Hoje isso soa como clichê, mas a verdade é que somente entendendo seus pontos fortes e fracos, você consegue direcionar sua vida trazendo pessoas que são melhores do que você naquilo que você não é.
Importante ter uma meta, lutar para atingi-la e assim criar outras metas. Vejo pessoas chegando para mim e dizendo que precisam de dinheiro. Eu pergunto o motivo e dizem que é para capital de giro. Aí eu pergunto por que precisa de capital de giro e ela não sabe responder.
Existe menos uma cultura de entender metas, indicadores e objetivos entre as mulheres até por uma questão histórica. A mulher se inseriu no mercado de trabalho muito depois do homem. É uma questão de tempo, experiência prática e dedicação para isso mudar.
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Você trabalha em um mercado que é composto por uma grande maioria masculina. Como lida com isso? Ainda há muito preconceito contra a mulher?
C.F.: Não gosto de usar a palavra preconceito, pois ela já denota um inconsciente negativo. Creio que quanto mais usarmos, mais ela se propaga; prefiro ressignificar a palavra para degrau.
Não se trata de uma visão poética e sim de alguém que precisou entender na dor, como ter um lugar ao sol. Então, prefiro dizer que tive muitos degraus enfrentados e ainda os tenho todos os dias, o que ocorreu foi uma mudança na minha forma de encará-los.
É notório que com tudo que já provamos até aqui ainda tem aquela coisa da mulher precisar trabalhar dez vezes mais para provar sua capacidade e competência. Como todas as mulheres (e homens também), em algum momento da minha vida já fiz isso, precisar de certa forma me provar.
Mas hoje percebo que isso é um erro, é um rótulo desnecessário. Não tem que trabalhar mais para compensar nada, você tem é que trabalhar nos seus pontos fortes por você, não pelos outros (ou pelo que vão achar ou pensar de você).
Quais benefícios e vantagens você enxerga no empreendedorismo como uma opção de vida?
C.F.: Ser empreendedor é você se tornar protagonista da sua própria vida. É investir em ideias, sonhos, propósitos e o mais importante: fazer com que sua rotina seja repleta de grandes conquistas, parcerias, metas alcançadas, evoluções diárias que te motivam e fazem com que todo esforço e dedicação sejam recompensados.
Muita gente ainda acha que ser dono do seu próprio negócio significa trabalhar menos ou ficar rico rapidamente, dois equívocos. Um empreendedor pensa e vive seu negócio 24 horas por dia de forma prazerosa, mas não menos estressante, afinal, é justamente essa pessoa que quer ver seu negócio deslanchar. E dinheiro é consequência do trabalho, dedicação e escolhas a médio e longo prazo.
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