Helton comenta: “Navarro, tenho lido muitos livros sobre empreendedorismo e penso seriamente em começar meu próprio negócio em breve. No entanto, sou constantemente desencorajado por amigos e familiares, que falam das dificuldades da vida de empresário e insistem com opções cuja estabilidade é maior, como concursos públicos e o emprego onde já estou. Ainda assim, sinto que o desejo de empreender é maior que tudo isso. E agora? Obrigado”.
A profusão de livros de memórias, biografias e artigos/matérias publicados hoje em dia sobre negócios reforça uma antiga percepção pessoal: histórias de empreendedores chamam atenção e populam o imaginário de muitas pessoas mundo afora. O romantismo que cerca parte dessas histórias aumenta os sonhos dos muitos candidatos ao título de “empreendedor do algum dia”. Parte desse movimento é bom.
Empresários bem-sucedidos se tornam ídolos de forma quase instantânea, mas poucos são os interessados em mergulhar fundo em suas trajetórias; ainda mais raro é o grupo interessado em conhecer, em detalhes, o ambiente de negócios em que se insere a empresa tão sonhada e seu entorno (legislação vigente, burocracia, concorrentes, carga tributária, modelo de negócios etc.). Empreender é correr riscos, mas de forma consciente.
Empreender é solução? Onde?
Essa introdução me lembra de um episódio recente, em que fui acometido pela tão falada “inveja boa”. Malcolm Gladwell, autor dos excelentes livros “Fora de Série” e “O Ponto da Virada” (ambos publicados pela Sextante), disse esses dias atrás que “o empreendedorismo é a melhor alternativa para jovens nos EUA”. E falou mais:
“Os Estados Unidos têm uma cultura que encoraja correr riscos e apoia as ideias dos empreendedores. Há uma cultura que reconhece que construir uma empresa do zero é algo legítimo e que isso pode ser mais importante do que um emprego estável. Ser empreendedor é considerado prestigioso em nossa sociedade” (Malcolm Gladwell, Folha De S. Paulo de 25/09/2011).
Enquanto países mais desenvolvidos oferecem “uma estrutura receptiva a ideias não testadas”, nós lutamos contra entraves burocráticos impressionantes e certa desconfiança cultural por parte de muitos colegas. Tenho percebido que muitos brasileiros têm preferido a estabilidade do cargo público e do emprego aos desafios propostos pela aventura de empreender que eles tanto admiram.
Essa realidade me preocupa, especialmente porque pode ser um sinal claro de acomodação e desânimo frente às necessárias reformas estruturais que há tanto tempo temos adiado. Aqui no Brasil, o candidato a empreendedor sério passa por testes duríssimos, sobretudo durante seus primeiros anos de vida.
A burocracia pesa muito e desestimula
Talvez você não saiba, mas por aqui o processo de abertura de uma empresa leva até 120 dias e envolve 15 autorizações e licenças. O tempo é vinte vezes maior que o necessário nos EUA. O número de procedimentos contrasta com a realidade de países como o Canadá e Nova Zelândia, onde é exigida apenas uma autorização. O México exige seis procedimentos e o processo todo leva apenas nove dias.
O custo médio para iniciar as atividades da empresa chega a R$ 2038,00, contra R$ 1213,00 na Colômbia e poucos menos de R$ 300,00 na China. Se consideradas as esferas federal, estadual e municipal, o total de tributos existentes por aqui chega a 85, o que impacta a produtividade e a competitividade de nossas companhias. Nossa burocracia consome 2600 horas de trabalho por ano, valor 14 vezes maior que o dos norte-americanos (187 horas) e 21 vezes o dos suecos (122 horas). A média da América Latina é de 385 horas.
Se o negócio não deu certo, vale tentar de novo. Infelizmente, fechar a empresa e abrir outra pode ser uma tarefa igualmente penosa. São até quatro anos de luta, trabalho e muita documentação para encerrar as atividades de uma pessoa jurídica brasileira. Os dados aqui mencionados foram divulgados, em setembro, pelas Revistas Exame e Veja.
Tudo isso se reflete em nosso cotidiano e, principalmente, nas necessárias boas vindas que devemos oferecer a quem quer empreender – atividade que cria empregos, atrai investimentos, gera maior oferta de produtos, inovação etc. O quadro é complicado e está longe do ideal: segundo o relatório “Doing Business”, do Banco Mundial, o Brasil ocupa a 128ª posição no ranking de facilidade para estabelecer empresas – atrás de nações como Moçambique e Nepal.
Mesmo assim, o sonho prevalece!
Ainda diante de um cenário desfavorável, o empreendedorismo tem crescido e se destacado. Só em 2010 foram US$ 48 bilhões em investimentos estrangeiros no país. O total de empresas formais beira os 5 milhões, número muito maior que o de décadas passadas (mas ainda muito menor que o número de negócios informais). Felizmente, o desejo de ser dono do próprio nariz ainda permeia os ambientes escolares e os corredores corporativos.
Não é um caminho fácil, posso afirmar por experiência própria. A estrada percorrida pelo empreendedor brasileiro é longa, sinuosa e repleta de buracos, mas a jornada compensa o risco! Afinal, qualquer empresário bem-sucedido não hesitará em confirmar que “faria tudo de novo”. Por outro lado, se fosse fácil, simples, qualquer um o seria.
Sinto-me mais confortável para responder à questão que serve de título para este artigo. Empreender é um misto de loucura, oportunidade, perfil, estilo de vida e risco. Empreender é aceitar as consequências de sua opção como um caminho para o sucesso, ainda que percorrê-lo signifique colecionar e ultrapassar muitos fracassos.
Não deixe que as expectativas dos outros modelem seu pensamento e limitem sua visão. Algumas pessoas tentam nos proteger com o pretexto de evitar nosso sofrimento – no entanto, a maior parte delas não teria coragem para sequer cogitar o empreendedorismo. Você está pronto para enfrentar as implicações de ser o dono do seu próprio destino econômico e financeiro? Leia direito: não existe estar pronto para ter o próprio negócio, existe estar pronto para lidar com os resultados desta decisão. E ai?
Foto de sxc.hu.