Como alguns de vocês já sabem, eu não sou especialista em política, mas estudo um bocado sobre comportamento humano. E confesso que as últimas notícias sobre a Operação Lava Jato da PF fizeram com que eu retomasse a leitura de um dos livros mais interessantes que eu já li sobre honestidade e trapaça.
O livro é o “A mais pura verdade sobre a desonestidade”, de Dan Ariely, professor de Psicologia e Economia Comportamental da Duke University. Reproduzo aqui uma história do livro, intitulada “Lições do Chaveiro”:
Um dia, Pedro ficou trancado fora de casa e então percorreu as redondezas para encontrar um chaveiro. Ele precisou de algum tempo para encontrar um que tivesse autorização municipal para destrancar portas. O chaveiro finalmente estacionou o caminhão e, em cerca de um minuto, destrancou a fechadura.
“Fiquei muito impressionado com a rapidez e facilidade com que essa pessoa conseguiu abrir a porta”, Pedro me disse. Em seguida, passou adiante a pequena lição de moral que aprendeu com o chaveiro naquele dia.
Em resposta à surpresa de Pedro, o chaveiro disse a ele que as fechaduras estão nas portas apenas para manter honestas as pessoas honestas. “Um por cento das pessoas sempre será honesta e nunca roubará”, disse o chaveiro. “Outro 1% sempre será desonesto e tentará arrombar sua fechadura e roubar a televisão. O resto será honesto desde que as condições sejam favoráveis; mas, se as tentações forem suficientemente grandes, também serão desonestos. As fechaduras não o protegerão dos ladrões, que conseguem entrar em sua casa se realmente quiserem. Elas só vão protegê-lo da maioria honesta que poderia ficar tentada a entrar em sua casa se não houvesse fechadura.” (p. 33)
Após ler esse trecho fiquei aqui pensando: será que não só o dinheiro público, mas a coisa pública é como uma porta sem fechadura?
Aquilo que é público, que é do Estado, é de todos, mas ao mesmo tempo não é de ninguém. O que quero dizer com isso é que o Estado, o Governo não é uma “pessoa”; é uma abstração, uma entidade não concreta.
Fiquei aqui pensando na nossa conduta em relação ao que é público e ao que é privado. Será que nós, que não somos nem políticos, nem doleiros, nem grandes executivos, tratamos a coisa pública exatamente como tratamos a coisa privada?
Será que nos sentimos mais confortáveis em “trapacear”, estragar ou até mesmo em não cuidar daquilo que é público em comparação com aquilo que é nosso ou de alguém, o privado? Como nos comportamos no dia a dia em termos de ética e cidadania em relação àquilo que não é de propriedade exclusiva deste ou daquele, mas de todos?
Sei que a questão da corrupção no nosso país é complexa e envolve outras variáveis, mas a intenção aqui não é falar da operação em curso ou da panaceia que envolve a corrupção. A ideia é refletir um pouco sobre como a “coisa pública” pode afetar o nosso comportamento em termos de ética, cidadania e honestidade.
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Foto “Ace under sleeve”, Shutterstock.