O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, com 11 vetos, a lei (Lei 14.755, de 2023) que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Pnab).
A norma teve origem no PL 2.788/2019 aprovado em novembro no Senado, sob a relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO).
O texto foi publicado no Diário Oficial da União desta segunda-feira (18).
O Pnab tem o objetivo de assegurar os direitos das populações atingidas por barragens e promover práticas socialmente sustentáveis em empreendimentos com barragens.
A iniciativa determina ainda que o empreendedor deverá custear um programa de direitos para esses cidadãos.
De acordo com o texto, será considerada população atingida por barragem quem sofrer pelo menos dessas situações apresentadas: perda da propriedade ou posse de imóvel; desvalorização desses lotes; perda da capacidade produtiva das terras; interrupção prolongada ou alteração da qualidade da água que prejudique o abastecimento; ou, ainda, perda de fontes de renda e trabalho.
Insegurança jurídica
O projeto original (PL 2.788/2019) ainda incluía entre essas situações “outros eventuais impactos, indicados a critério do órgão ambiental licenciador”, mas a Presidência da República considerou que o trecho tornava a lista “não taxativa”, podendo gerar insegurança jurídica e administrativa no âmbito da definição de quem seria enquadrado como população atingida por barragem no escopo da nova lei.
Outro trecho que, segundo a avaliação da Presidência poderia gerar insegurança jurídica, é o que estabelece que as regras seriam aplicadas ao licenciamento ambiental de barragem e aos casos de emergência decorrente de vazamento ou rompimento dessa estrutura em situações “já ocorridos ou considerados iminentes”.
“A proposição legislativa contraria o interesse público ao permitir interpretações divergentes sobre a temporalidade de aplicação da lei, o que poderia incidir sobre casos já ocorridos ou licenciamentos ambientais em andamento, de forma a impactar na segurança jurídica e administrativa dos contratos e pactuações já existentes”, argumentou o presidente na mensagem de veto.
O texto aprovado pelo Congresso ainda englobava tanto as barragens de produção industrial e mineral quanto as de hidrelétricas, conforme especificadas na Lei 12.334, de 2010, além de outras que, a partir das suas construções, pudessem atingir populações locais.
No entanto o presidente entendeu, após ouvidos os ministérios de Minas e Energia, da Integração e do Desenvolvimento Regional e da Agricultura e Pecuária, que a norma “ampliava demais o rol de barragens” e desconsiderou as barragens não enquadradas na legislação de 2010.
Economia familiar
A nova lei acrescenta direitos específicos para os atingidos que exploram a terra em regime de economia familiar como, por exemplo, compensação pelo deslocamento compulsório e por perdas imateriais.
As reparações devem “reconhecer a diversidade de situações, experiências, vocações e preferências, culturas e especificidades de grupos, comunidades, famílias e indivíduos”, bem como contemplar a discussão e a negociação no âmbito do comitê criado para cada empreendimento.
Por outro lado, a presidência rejeitou trechos que estabeleciam que a indenização deveria se dar em dinheiro. Eles consideraram que o dispositivo incorria em redundância já que há previsão sobre as formas possíveis de reparação em outros trechos da nova. Quais sejam, “reposição, indenização, compensação equivalente, e compensação social”.
Também foi vetado o artigo que definia prazo máximo de 12 meses para a escrituração e registro dos imóveis dos reassentamentos urbano e rural em decorrência de um acidente com barragens.
Na visão do presidente, o trecho “contraria o interesse público dada a imprevisibilidade e o baixo grau de ingerência dos empreendedores sobre os prazos processuais de distintas etapas de tramitação de registros e escrituração cartoriais. Ademais, a definição legal de um prazo poderia gerar distorções na seleção das terras a serem usadas para o reassentamento das famílias, em função da maior ou menor morosidade dos processos de escrituração e registro de imóveis decorrentes de reassentamentos urbanos e rurais”, justifica na mensagem.
Responsabilidades
Os empreendedores também terão responsabilidades em relação a impactos na área de saúde, saneamento ambiental, habitação e educação dos municípios que receberão as pessoas atingidas por eventual vazamento ou rompimento da barragem. O texto inicial previa também essa responsabilidade em relação aos trabalhadores da obra, mas o presidente vetou o trecho.
De acordo com a nova lei, o programa de direitos deverá ser aprovado por um comitê local da política nacional dos atingidos por barragens. Um órgão colegiado tripartite (governos, empreendedores e sociedade civil) acompanhará e fiscalizará a formulação e a implementação da política.
O Ministério Público e a Defensoria Pública terão voz como convidados permanentes nessas reuniões.
Por outro lado, o dispositivo que estabelecia que o comitê teria como base os estudos socioeconômicos realizados no âmbito do licenciamento ambiental da barragem e permitia a atuação da entidade por ele responsável foi vetado.
“A imprecisão redacional do dispositivo contraria o interesse público, pois poderia gerar interpretações divergentes sobre sua aplicabilidade, além da possibilidade de incluir novo agente no âmbito do Sistema Nacional do Meio Ambiente, de que trata a Lei 6.938, de 1981.
A despeito de o dispositivo indicar o caráter não vinculante da manifestação do Comitê Local da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens – PNAB, a proposição poderia impactar os fluxos já previstos no processo de licenciamento ambiental”, diz a mensagem.
CLT
Como parte do compromisso assumido em relação as negociações para a aprovação da matéria no Congresso, o presidente vetou o dispositivo que revogava dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – Decreto-Lei 5.452, de 1943) que estabelecem parâmetros para o cálculo da indenização por dano extrapatrimonial decorrente de relação de trabalho.
O texto previa limites de até três vezes o último salário contratual do ofendido para ofensa de natureza leve; de até cinco vezes o último salário para as de natureza média; de até 20 vezes o salário para as de natureza grave; e de até 50 vezes para as gravíssimas.
“A proposição legislativa contraria o interesse público pela ausência de pertinência temática com a matéria objeto do projeto de lei”, justificou o presidente na mensagem.
Durante a discussão do projeto no Senado, o senador Rogério Marinho (PL-RN) chegou a questionar esse artigo, apontando que o Supremo Tribunal Federal (STF) já definiu que o juiz da causa pode arbitrar o valor da indenização. Um destaque chegou a ser apresentado pelo parlamentar para que esse item fosse votado de forma separada. No entanto, o líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA) assumiu o compromisso de que o item seria vetado pelo chefe do Executivo.