O segundo ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva começará com uma perspectiva mais positiva para o câmbio do que há um ano, com especialistas avaliando que, apesar de incertezas em torno do fluxo comercial e das contas públicas, as perspectivas fiscais estão mais favoráveis, enquanto o diferencial de juros entre Brasil e EUA tende a seguir vantajoso.
O dólar já surpreendeu em 2023, quando caminha para fechar o ano abaixo dos 5 reais, com folga, mirando desvalorização de mais de 7%.
As cotações estão bem abaixo dos 5,27 reais projetados para o período pela mediana do mercado ao fim de 2022, conforme o Sistema de Expectativas de Mercado do Banco Central, quando instituições mais pessimistas estimavam taxa de câmbio próxima dos 6 reais.
Agora, para o fim de 2024 a projeção é de dólar a 5,00 reais, e profissionais ouvidos pela Reuters não descartam a possibilidade de a moeda norte-americana atingir patamares ainda mais baixos já nos primeiros meses do ano, apesar dos vários riscos.
O primeiro desafio vem com a força extraordinária do setor agropecuário vista no início deste ano ficando no retrovisor, sem expectativa de que a supersafra de 2023 se repita, tanto em função da base comparativa elevada quanto em função de fatores climáticos, como um El Nino mais forte que o esperado.
Há ainda incertezas vindas da vizinha Argentina, com o recém-empossado presidente Javier Milei. Suas promessas de retirada de barreiras para algumas exportações podem levar a maior competitividade dos argentinos, pesando sobre a balança comercial brasileira e, consequentemente, sobre o real, disse Lucas Farina, analista econômico da Genial Investimentos, que tem uma projeção de dólar a 5,10 reais ao fim de 2024.
Por outro lado, entre os possíveis impulsos para o real, o Federal Reserve encerrou sua última reunião do ano indicando que o aperto histórico da política monetária nos EUA provavelmente acabou e a maioria das autoridades do Fed projetou que a taxa de juros estará mais baixa em um ano — o que levou os mercados a apostarem que os cortes podem começar já em março.
“Havendo juros mais baixos ou juros que param de subir, isso sempre ajuda moedas de risco a performar” disse Gustavo Menezes, gestor de área macro da AZ Quest, que tem projeção de dólar a 5,00 reais ao fim de 2024.
No Brasil, o Banco Central fez um novo corte de 0,50 ponto percentual na taxa Selic, a 11,75%, em seu último encontro do ano, e afirmou que sua diretoria antevê reduções na mesma intensidade nas próximas reuniões — contrariando especulações de que poderia haver uma aceleração dos cortes já nos primeiros meses do ano.
“É fato que o Banco Central vai continuar cortando a Selic em 50 pontos-base, então o diferencial de juros ainda é razoável para atrair investimentos”, disse José Faria Júnior, diretor da consultoria Wagner Investimentos.
“Não sei exatamente para onde vai o dólar, mas sei que vai cair”, acrescentou, citando possibilidade de a moeda se reaproximar dos 4,80 reais ou até atingir valores menores no primeiro trimestre de 2024.
Quanto maior o diferencial de juros entre o Brasil e as economias avançadas, mais interessante fica o real para uso em estratégias de carry trade, que consistem na tomada de empréstimo em países com taxas baixas e aplicação dos recursos em mercados mais rentáveis.
Fiscal
O outro grande destaque de 2024 será a política fiscal, que há anos tem sido motivo de dor de cabeça para os investidores e continuará dominando a atenção do mercado financeiro em 2024, conforme a equipe econômica do governo, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se diz empenhada em alcançar a meta de zerar o déficit primário.
A mediana do mercado, no entanto, aponta para um rombo primário de 1,30% do PIB no ano que vem, segundo o mais recente boletim Focus do BC. Leonardo Costa, economista da ASA Investments, pondera que esse cenário já está precificado nos ativos brasileiros, de forma que não deve haveria grande impacto no câmbio se o governo falhar na meta fiscal.
Há um ano, a incerteza era maior, com o novo governo tendo assumido com a promessa de abandonar a regra constitucional do teto de gastos, mas sem ter ainda anunciado o novo arcabouço fiscal, que acabou sendo aprovado pelo Congresso em agosto.
O principal foco ficará então nas discussões sobre possível alteração da meta fiscal, tema que já foi abordado mais cedo este ano, levantando preocupações sobre uma deterioração adicional das contas públicas. Por ora, houve vitória da equipe econômica, que pressionou pela meta de déficit zero e conseguiu sua manutenção na recém-aprovada Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024.
A própria LDO, contudo, prevê regra proposta pelo governo que limita o bloqueio de verbas de ministérios no ano — o que na prática pode por em risco a meta.
“Quando você é um dos países emergentes mais endividados, é com isso que você tem que conviver: metas fiscais sempre sendo questionadas, o governo em busca de credibilidade, e tudo isso impactando o que vai acontecer com o real”, disse Menezes, da AZ Quest.
“Mas, por mais que tenha muita retórica do próprio presidente (Luiz Inácio Lula da Silva), dos membros da esquerda e do partido do governo, o que tem prevalecido é a agenda do Haddad”, acrescentou o economista. “Por enquanto as perspectivas são boas.”
A principal vitória da equipe econômica até agora, segundo participantes do mercado, foi a aprovação da reforma tributária no Congresso, a partir de acordo do governo com parlamentares, em uma votação histórica após décadas de discussão.
Depois da aprovação, a agência de classificação de risco S&P elevou nesta semana a nota de crédito de longo prazo do Brasil para “BB”, de “BB-“, afirmando que a reforma tributária estende o histórico dos últimos anos de implementação de políticas pragmáticas no país.
Mas ainda estão em aberto o projeto que cria uma taxação para apostas online e uma alternativa a ser apresentada pelo governo à desoneração da folha de pagamento. Como Haddad já deixou claro que todas as propostas do governo são necessárias para equilibrar as contas em 2024, as relações entre governo e parlamentares também devem ser monitoradas no ano que se aproxima.