Eu gosto muito de frequentar padarias e cafés para fazer novos amigos e estudar o comportamento das pessoas. Em uma dessas ocasiões, presenciei o que parecia ser uma conversa normal, daquelas que marido e mulher frequentemente tem quando precisam resolver algum assunto mais importante.
A situação, no entanto, parecia mais delicada. Visivelmente transtornado, o marido tentava explicar à esposa as muitas razões pelas quais eles deveriam ser mais comedidos nos gastos. A esposa, sem ligar muito para os argumentos racionais do marido, falava cada vez mais alto.
Em um certo momento, tive a impressão de que todo mundo podia ouvir o que estavam falando. A família endividada discutia os termos para comemorar o primeiro ano de sua única filha. A esposa não se conformava com a ideia de não fazer uma festa para, pelo menos, 100 pessoas.
Nas palavras dela, uma festa “igual ou melhor do que aquelas que nossos amigos fizeram”. A esposa parecia decidida a impressionar quem quer que fosse e, ao levantar-se de supetão, ela ainda olhou para o marido e bradou: “Imagina se não faremos uma festa dessas para ela”.
Uma “festa dessas” para uma criança de apenas um ano? Fico pensando como será quando ela estiver prestes a completar 15 anos. A família estará diante de uma comemoração ou de um problema? Nossa colunista Bernadette Vilhena já até escreveu um texto sobre isso (clique aqui para acessá-lo).
Algum tempo depois, esta mesma família me procurou. Com dívidas no cheque especial e cartão de crédito de muitos mil reais, a família parecia entregue à própria sorte e profundamente decepcionada com a situação financeira em que se encontrava.
Questionei-os sobre os gastos recentes e se havia acontecido alguma coisa mais séria com as finanças. Ao ouvir toda a história da festa (mas sem alguns dos detalhes que presenciei in loco), eu quis saber como conseguiram fazer a festa mesmo com tantas dívidas.
A saída encontrada, segundo contaram de cabeça baixa, foi vender parte dos bens e tomar um novo empréstimo para arcar com os gastos de R$ 7 mil da festa, com direito a vestido novo, buffet infantil completo, decoração, muitos doces finos (aqueles decorados, segundo entendi) para mais de 100 pessoas.
Esta família não tinha a menor condição de gastar essa grana em uma festa. A angústia e as brigas em casa por causa das dívidas eram frequentes e cada vez mais tensas, fiquei sabendo na conversa. Com os ânimos exaltados, cada um deles tentava culpar o outro (“Você gasta demais com bobeira!”), as circunstâncias (“A promoção que eu esperava não veio”) e até os amigos (“É muita pressão!”).
A culpa é do sistema? Não creio (e escrevi sobre isso aqui – clique). Algumas perguntas e reflexões são importantes para analisarmos casos como este com mais carinho e profundidade:
- Como criar um cidadão consciente e zeloso de seus valores e princípios se os exemplos dos pais são de irresponsabilidade e infantis? Qual o legado que você pretende deixar para os filhos?
- A vida é uma competição com os amigos? Existe linha de chegada?
- Nossas escolhas definem quem somos? Como escolher melhor?
- Como transformar a realidade de um relacionamento baseado em mentiras que vão desde o padrão de vida até o mais simples diálogo?
- Vale a pena criar e cultivar uma imagem ligada exclusivamente ao que você tem?
- Impressionar os outros é mais importante que obter o respeito e admiração da própria família?
Mais uma vez fica claro que o assunto “finanças pessoais” não está associado com problemas matemáticos ou meramente financeiros, mas com o fato de sermos seres guiados por nossas emoções. Aliás, publicamos um artigo muito interessante sobre socialização pelo consumo (clique aqui para acessá-lo).
Eu poderia inserir na pequena lista de perguntas e reflexões acima itens como “Como aumentar a renda familiar?” ou mesmo “Quais gastos podem ser reduzidos no curto prazo para liberar mais recursos para as dívidas?”. Preferi não fazê-lo, pois entendo que a família e o relacionamento precisam ser trabalhados primeiro.
Preencher planilhas, experimentar ferramentas, registrar gastos e receitas, aproveitar o tempo livre com uma atividade capaz de gerar renda extra, voltar a trabalhar e outras atividades semelhantes só serão duradouras e farão sentido se as prioridades familiares estiverem claras e forem preenchidas com valores universais do relacionamento em questão.
A moral dessa história é simples: educação financeira é um processo que só funciona de forma duradoura onde existe harmonia, respeito, resiliência e prioridades bem definidas. Em outras palavras, só conseguirá extrair da educação financeira seus benefícios o relacionamento construído e mantido por duas pessoas “inteiras”. Educação financeira precisa ser um estilo de vida (clique aqui e entenda o que isso quer dizer).
Essa história é mais comum do que imaginamos, infelizmente. Você já viu relatos assim, caro leitor? Provavelmente, sim! Bons tempos aqueles em que festas infantis eram festas para as crianças. Agora parece que estamos diante de uma competição de pais.
Vamos refletir sobre tudo isso? Registre sua opinião no espaço de comentários abaixo. Até a próxima.
Foto “First birthday”, Shutterstock.