Em tempos de crise os agentes econômicos parecem seguir uma espécie de cartilha que coordena cada uma de suas ações, a saber:
Negação: a primeira reação é negar o que está acontecendo. Um dos exemplos mais brilhantes aconteceu quando o presidente Lula disse que a atual crise chegaria ao Brasil apenas como uma “marolinha”;
Raiva: começa a busca por culpados. Um exemplo interessante aconteceu quando, na semana passada, oito executivos-chefes dos maiores bancos americanos foram chamados a depor na Câmara dos Representantes para justificar o uso dos US$ 165 bilhões que receberam do governo no ano passado. Um deputado democrata lhes disse: “Os Estados Unidos não confiam mais em vocês. Eu não tenho mais nenhum centavo nos bancos”.
Negociação: os agentes passam a fazer reuniões para tentar achar alguma saída. Exemplos: reunião do G-20, Davos e por aí vai.
Depressão: como sabemos, depois da recessão vem a depressão. Não se tem notícia ainda de seu aparecimento, mas ela está no horizonte de alguns países europeus mais afetados, como a Islândia por exemplo.
Aceitação: a crise já é realidade e temos que conviver com ela. Esta é a fase mais perturbadora, pois depois que aceitamos uma crise que foi gerada no exterior, a primeira coisa que os agentes propõem é o “fechamento das fronteiras”. E é exatamente isso que está acontecendo.
Estamos começando a viver um perigoso estado de “desglobalização”. O que parecia ser um consenso quase que universalmente aceito – as vantagens do livre-comércio e da crescente integração entre os países – começa a ser debatido num tom perigosamente emocional. Conceitos tidos como em completa obsolescência no mundo globalizado, como nacionalismo, xenofobia e protecionismo ameaçam se reerguer e colocar em xeque o mundo como o conhecemos hoje.
Medidas claras de protecionismo vem sendo tomadas numa velocidade espetacular ao redor do mundo:
- A Ucrânia aprovou um aumento na taxa de importação para carnes de 12% para 120%, violando acordos da OMC;
- A Indonésia subiu as alíquotas de 500 produtos e estabeleceu registro de licença de importação, que complica a entrada de produtos estrangeiros;
- A Índia aumentou em 20% a taxa sobre o óleo de soja;
- O Mercosul também passou a examinar alta tarifária, mas no limite de 35% permitido pela OMC;
- A Rússia já anunciou a intenção de subir a tarifa de importação de automóveis para 35% e quer aumentar a ajuda a seus produtores de carnes – o que freará exportações do Brasil;
- Europeus e americanos têm delineado programas de subsídios nas áreas automotiva, têxtil e siderúrgica.
Desta forma, o fluxo do comércio já caiu nos principais mercados mundiais, afetando diretamente o Brasil. Com a demanda e preços internacionais menores, as exportações do agronegócio devem recuar US$ 20 bilhões pela projeção de alguns especialistas, o que seria a primeira queda após dez anos de alta. Até o dia 14 de fevereiro, a balança comercial brasileira registrava um déficit de US$ 12 milhões.
Segundo analistas do Banco Central, o saldo comercial deverá atingir US$ 14,5 bilhões em 2009, marcando o terceiro ano consecutivo de queda. O principal fator é a expectativa de que o Brasil registre uma diminuição de 17,6% nas exportações, causada pelo fechamento de portas nos grandes países compradores.
Uma das medidas que mais chamou atenção foi o anúncio pelo governo americano do Buy American Act. A proposta estipulava que todo aço comprado pelo governo americano com dinheiro do pacote de US$ 920 bilhões de Obama deveria ser produzido nos Estados Unidos. Era um sinal claro de que os americanos começariam a erguer barreiras protecionistas. Em função das reações negativas ao redor do mundo, o Senado suavizou a medida na noite de 04 de fevereiro ao estipular que as siderúrgicas americanas terão preferência, desde que isso não viole os acordos comerciais dos Estados Unidos.
Sem dúvida vivemos dias cinzentos.
Mas não é apenas o futuro que provoca inquietação. Também o passado traz sustos. Nas últimas semanas, a memória de uma dupla de políticos americanos tem sido constantemente invocada pelos defensores do livre-comércio como um exemplo dos riscos do protecionismo: Willis Hawley e Reed Smoot. Em 1930, os dois foram responsáveis por uma lei que aumentou a tarifa de importação de 20 mil produtos a níveis recordes nos Estados Unidos.
A retaliação veio rapidamente – e o resultado é que as exportações americanas caíram pela metade. O comércio internacional murchou. Para muitos estudiosos, o espetacular cerco às importações americanas, assinado pela dupla Hawley e Smoot, deu uma contribuição milionária para a depressão econômica mundial dos anos 30 que, entre outros efeitos, facilitou a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha.
A boa notícia é que os acordos que vigoram hoje protegem o mundo de ações como a de Hawley e Smoot, segundo especialistas em comércio exterior. Mas, não obstante a suposta proteção legal contra a eclosão irrestrita de protecionismo em escala global, a dupla de políticos americana voltou a ser lembrada – com apreensão – depois de uma prolongada temporada de crescimento.
Atualmente vivemos num mundo de profunda interconexão, onde o anúncio de uma medida americana ou chinesa traz calafrios para todos os outros países. Se as porteiras começarem a se fechar, veremos benefícios e avanços que colhemos nos últimos 30 anos serem completamente destruídos.
Sempre é bom lembrar que o pânico é um mau conselheiro. Cabe aos líderes mundiais a missão de acabar com a visão reinante de apocalipse, pois, caso contrário, nos próximos anos talvez vejamos o início de um regime totalitário e militarista em algum país europeu. E a história nos mostra que isso não acaba bem.
Bibliografia:
- Revista Época, edição 560 de 9 de fevereiro de 2009;
- Revista Isto É Dinheiro, edição 589 de 21 de janeiro de 2009;
- Revista Isto é Dinheiro, edição 592 de 11 de fevereiro de 2009;
- Revista da Semana, edição 75 de 19 de fevereiro de 2009.
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Alexsandro R. Bonatto, economista e com MBA em Gestão Empresarial, é professor universitário, instrutor e sócio da Ventura Corporate, empresa de treinamentos corporativos. Tem mais de 13 anos de experiência no mercado de crédito.
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