Zélia comenta: “Navarro, tenho uma dificuldade tremenda em aceitar ajuda, doações, favores e coisas do tipo. Já perdi muitas oportunidades com esse meu comportamento e até algumas amizades, que se esfriaram com o tempo. Tenho lido mais sobre finanças comportamentais e agradeço se puder me dar umas dicas sobre isso. Obrigado“.
Você já percebeu como é comum as pessoas ricas falarem sobre doações? A maioria delas já criou o hábito de fazer isso mensalmente, separando tempo, dinheiro ou qualquer outro recurso de sua vida para este fim. Eles doam porque servir é também parte do aprendizado para receber.
Enquanto umas elegem uma entidade, como um hospital, uma casa de idosos ou uma igreja, outros preferem aguardar para doarem em oportunidades que surgem de surpresa, ajudando pessoas ou projetos específicos.
Para existir um doador, precisa existir um recebedor, e pouco se fala sobre este outro lado dessa bela relação, que envolve altruísmo, humildade e autoestima. É bonito falar em doar, mas por que pouco se discute o ato de receber?
A dificuldade em receber
Há muitas razões para as pessoas ainda manterem enormes dificuldades ao receber ajuda e doações, principalmente em dinheiro, mas o motivo mais comum é emblemático: o sentimento de não ser digno de merecimento. Ah, tem ainda aquela coisa do orgulho, ao melhor estilo “eu não preciso da sua ajuda, sei o que estou fazendo”.
Quando vejo isso, fico realmente preocupado, porque sentir-se indigno tem forte relação com uma baixa autoestima, e este estado emocional tem causado grandes problemas (inclusive financeiros) para indivíduos e famílias inteiras.
A razão para tanta gente se sentir indigna está associada ao fato de que fomos condicionados para isso. Em outras palavras, crescemos ouvindo 15 “Nãos” para cada “Sim”. Lidamos com um “mar” de críticas descabidas, gente pessimista e reações desproporcionais e só de vez em quando encontramos um elogio, que muitas vezes ainda vem de forma fria e desinteressada.
Isso faz diferença?
Conheço gente de todo o tipo. Alguns são ricos e não se sentem merecedoras de tantas regalias, mas conheço outros que são pobres e não enfrentam problema algum para receber, seja lá o que for, de qualquer pessoa.
A verdade é que quando o assunto é enriquecer, pouco importa se você se sente ou não merecedor. Se você realmente quiser lutar para ser rico financeiramente, você será. Ainda que muita gente continue se sentindo indigna ao receber algo, isso não atrapalhara na conquista da riqueza. Mas há um perigo neste caminho.
Tem gente que faz dessa indignação um fator de motivação para buscar a riqueza. Pessoas assim querem provar para o mundo que, apesar de não se sentirem merecedoras, elas são capazes e possuem valor.
O problema com isso é que enriquecer para provar que se tem valor normalmente não torna a pessoa feliz e transforma a vida em uma mera competição de egos. Então é melhor buscar a riqueza por outros motivos, que sejam mais sinceros e alinhados com seus valores e princípios.
Leitura recomendada: A riqueza e o julgamento das aparências (o rico de verdade não é quem você imagina
O melhor é o equilíbrio
O velho ditado “melhor é dar do que receber” tem sido usado por muita gente para justificar os problemas apontados aqui. O dilema é que se todo mundo pensasse assim, simplesmente não haveria como equilibrar as coisas! Haveriam muitos doadores e poucos recebedores.
Se você tem o hábito de doar, então você experimenta com frequência um sentimento de gratidão. Imagine só se ao fazer a sua doação, a outra pessoa “cortasse o seu barato” e dissesse que não merece receber sua doação, devolvendo tudo. Adeus momento gratificante e sentimento de “missão cumprida”…
Situações assim acontecem e são péssimas, afinal você volta para casa frustrado (e entendendo tudo errado, inclusive tendendo a fazer julgamentos) e a pessoa que seria beneficiada levanta um “muro” em torno de si mesmo, impedindo cada vez mais que o universo à favoreça. Nada disso faz muito sentido, não é mesmo?
O doador, depois de se recuperar do desgosto, certamente irá procurar outra pessoa que se sinta merecedora de ajuda; O abnegado, enquanto isso, enclausurado em seu próprio muro passará os dias erguendo paredes ainda mais altas.
Cuidado com o que você pensa
Observe uma coisa: as pessoas que são verdadeiramente ricas trabalham muito e também acreditam com sinceridade que merecem serem bem recompensadas por isso. Elas são felizes por trabalhar com afinco e procuram fazer o melhor que podem. Elas sabem que geram valor para outras pessoas e não impedem que os outros reconheçam isso e as recompensem por isso.
Por outro lado, as pessoas de mentalidade pobre também trabalham duro, mas não acreditam sinceramente que são merecedoras. Pensam que não é justo serem bem pagas pelo o que fazem, adotando uma postura de vítima e condenando/julgando aqueles que recebem mais que elas; com isso, ficam presas na sua mediocridade.
Você já deve ter percebido que não estou falando de doação de dinheiro, especificamente, embora isso também faça parte do contexto. Porém, mais do que isso, essa doação envolve recursos muito mais amplos, como o tempo, o conhecimento, a influência, a rede de relacionamentos e por aí vai. Coisas que se bem trabalhadas e valorizadas valem muito mais do que uma boa porção de dinheiro, pois podem gerar e multiplicar o investimento nelas realizado.
Leitura recomendada: Generosidade: quanto mais você pratica, mais rico fica!
Conclusão
Pense bem em tudo que conversamos sobre doar e receber e, se você se identificar com algo, pare de sabotar a sua própria vida. Enriquecer não vai tornar você uma pessoa melhor ou pior. Na verdade, vai apenas intensificar aquilo que você já é, e isso pode ser fantástico (ou perigoso).
Portanto, se você é uma pessoa boa, mas acha que não merece receber as dádivas que o universo te envia, já passa da hora de modificar sua forma de pensar. Afinal, se com pouco você já consegue ser tão amado e querido pelos familiares e amigos, imagine só se você ainda puder ajudar muitos deles a melhorarem suas vidas e aliviar suas dores?
Agora se você já tem uma mentalidade rica e merecedora, então pense em alguém que ainda precisa se libertar de seus sentimentos de indignidade e encaminhe essa mensagem para ela, ainda que ela não mereça. Um abraço e até a próxima!
Foto “generosity”, Shutterstock.