Baseado nos últimos indícios econômicos e financeiros, a crise financeira parece já ter atravessado o seu pior momento. A calmaria assusta e ainda há muito o que se compreender e viver até que possamos crer no fim da crise. O fato é que, aqui no Brasil, as boas notícias são comemoradas sobretudo em referência à volta do crédito ao mercado e aos consumidores. Nos próximos meses, ações do governo e de mídia baterão forte na tecla de que devemos consumir através de ofertas e programas governamentais com renúncia fiscal que baratearam os produtos.
Soa como uma ótima noticia, não é mesmo? Calma lá. Depende! Depende da forma como você vai encarar a volta ao consumo e, principalmente, se você planejará a compra de um novo bem. Algumas perguntas devem muito bem respondidas e vamos abordá-las aqui neste texto. A primeira pergunta é simples: será que eu preciso desse bem, nesse momento? Trata-se da questão entre comprar por comprar e comprar por necessidade.
A questão é polêmica, mas precisa ser abordada pela ótica do planejamento. Nós brasileiros somos os reis do desperdício. Quem já teve coragem de verificar o valor dos alimentos que foram jogados ao lixo no último mês? Ou mesmo de mais uma bolsa ou DVD, que depois de pouco tempo ficam lá guardados, por muitos anos, sem uso? Isso sem falar na mania de comprar um celular novo quando o atual ainda funciona perfeitamente e não tem nem mesmo um único ano de utilização.
O consumo precisa ser consciente, inteligente, nem sempre relacionado à vontade, mas dentro de um critério de necessidade e oportunidade.
Surge então a segunda questão: como vou comprar? A volta do crédito fácil é perigosa. Hoje pela manhã, ao lado do meu amigo Navarro, ouvi a seguinte história: uma senhora, depois de alguns anos com o mesmo carro, resolveu trocar o veículo por um mais novo. O valor de manutenção anual do carro já dizia que a estratégia mais inteligente seria a compra de um carro novo.
A senhora dirigiu-se ao banco em que possui conta e com o qual mantém relacionamento e foi “aconselhada” pelo gerente a não mexer no valor de suas aplicações (montante mais que suficiente para a compra do automóvel e para manter uma reserva saudável) e financiar a compra do carro novo.
Percebe-se que muitas pessoas são levadas a acreditar que prazos estendidos e valores pequenos são as melhores alternativas de compra. No caso de nossa história, há bom fluxo de caixa, os investimentos são alimentados, o fundo de reserva é bom e ainda assim queriam “empurrar” um financiamento. É o tipo de atitude reprovável e condenável.
É óbvio que a grande maioria dos gestores são pessoas sérias e jamais defenderiam uma situação como essa (quero acreditar que seja assim), mas a realidade do fato mostra que isso acontece com certa freqüência. Felizmente, no caso acima o desfecho não foi o desejado pelo gerente, pois a senhora foi orientada por pessoas de seu convívio a não realizar tamanha sandice.
Nota-se que a ingenuidade dos consumidores é explorada. O conselho antes de tomar qualquer decisão que envolva dinheiro é objetivo e direto: procure entender o que está diante de você, informe-se e busque a opinião de outras pessoas, amigos ou parentes. A história verídica se encaixa no contexto do artigo justamente para exemplificar que, mesmo na necessidade, existem formas e maneiras mais apropriadas para se comprar bem.
Comprar financiado deixa o bem mais caro, portanto avalie bem o que fazer. Não caia na conversa de parcelas pequenas. Elas matam o seu poder de investimento e seu futuro financeiro fica comprometido.
De olho no status…
Cabe repetir: cuidado com o desejo pelo simples ato de esbanjar status. Não pense que, ao comprar algo, a compra lhe conferirá poder sobre as pessoas. Ninguém é melhor do que ninguém porque comprou um carro ou um computador de última geração. Muitas vezes, essa compra esconde uma conta negativa e uma vida financeira arruinada. Vale a pena viver “de fachada”?
Merecem respeito todos os cidadãos que já pensam e planejam o futuro. E investem, não só dinheiro, mas parte de seu tempo para ajudar pessoas e melhorar seu conhecimento através de leituras, cursos e bons papos com os amigos. Sempre valorizando o que a vida tem de melhor: o respeito pelo outro e por si mesmo.
Então, cuidado! Não caia na idéia e no atrativo do consumo fácil. Os juros estão baixando, o que é ótimo. Mas continuam altos, muito altos. Se quer realizar o sonho da compra de um bem precioso, exerça seu poder de realização e planeje a compra com sabedoria, disciplina e paciência.
——
Ricardo Pereira é educador financeiro e palestrante, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
▪ Quem é Ricardo Pereira?
▪ Leia todos os artigos escritos por Ricardo
Crédito da foto para stock.xchng.