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Almoço virou mesa de operações

by Conrado Navarro
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Dinheirama - Viver a vida!A cada dia que passa tenho mais medo do meu telefone celular[bb]. Apesar de muito mais antigo que o modelo que você carrega no bolso da calça, ele ainda é capaz de me surpreender. Por exemplo, nunca usei sua capacidade de navegar na Internet. De repente me pego tentando acessar o meu e-mail particular através dele. Sinto-me insultado por render-me a tão pequeno objeto. Mas esse sou eu.

Números, números e mais números!
Os jovens estão invadindo a Bovespa. No bom sentido, claro! 24,7 bilhões de reais movimentados em mais de 2,5 milhões de transações. 200 mil aplicadores colocaram ordens de compra e venda por lá. Muito? Blah, esses dados são só de janeiro. Influenciados pelos ótimos resultados dos anos passados, inúmeros investidores investem em plataformas de apoio, computadores com três monitores, serviços de consultoria sofisticados. O celular entrou na roda, dessa vez pra valer!

Onde existem números, existem oportunidades. Já pensou pegar seu celular e, debruçado sobre suas miúdas teclinhas, executar uma compra de dois lotes de PETR4? Em seguida, você decide que LAME4 já atingiu seu preço alvo e resolve vendê-la. Aperta-se em volta de seu smartphone[bb] e executa a venda. Futuro? Sonho? Pesadelo?

Sou uma pessoa relativamente “plugada”, mas que ainda procura cultivar certas características humanas. Escrevo este artigo e lanço a polêmica porque tenho a necessidade de sentir que estou vivo. Soa meio old fashion, é verdade. Então a conta está assim: noves fora, 30% de potencial, 200 mil pessoas, cinquenta e tantas corretoras com home broker igual a 60 mil possíveis investidores (clientes) comprando e vendendo ações e opções direto do celular.

Pois é, o almoço virou mesa de operações. O ticker das ações agora perdeu a graça. Ligar para o seu corretor, falar “Bom dia” ou “Boa tarde” já é perda de tempo. A qualquer hora você pode ser interrompido por um beep confirmando que sua ordem de compra foi executada. Ou talvez um alerta dizendo que uma de suas aquisições atingiu o preço alvo e deve ser vendida.

Você está no barbeiro, no restaurante, na rua ou na escola do seu filho. Não interessa onde, a loucura do mercado acionário, o frenético sobe e desce dos preços e o noticiário especializado estão com você. Beep! Beep! Você olha para o celular, realiza o lucro, mas perde o gol que seu filho acaba de fazer no time adversário. No final das contas, você ganhou ou perdeu?

Vale a pena?
Será que queremos mesmo tanta possibilidade e onipresença ao lidarmos com nossas carteiras de ações? “Sim”, você vai responder de forma punitiva e descompromissada. No restaurante, experimente repetir a pergunta ao colega de trabalho que o observa, incrédulo, enquanto você devora o celular, deixando a comida esfriar.

O limite entre a utilidade e a futilidade (repare na semelhança das palavras) está na nossa capacidade de manter vivos hábitos saudáveis, importantes para nosso crescimento pessoal. Decidi resistir. Por quanto tempo? Não sei.

Meu genuíno medo está no poder cada vez maior dos celulares, PDAs e smartphones. Não da sua capacidade tecnológica, mas da assustadora voracidade com que devoram nossa chance de interagir com o pouco que ainda não tem bits e bytes em sua composição: nossos filhos, relacionamentos e o próximo. Como sempre, devo estar exagerando, sendo sensacionalista demais. Consegui sua atenção?

Talvez, talvez…
Talvez tudo isso que escrevi seja apenas inveja (boa) daqueles que fazem tudo diretamente do smartphone. Acendem as luzes de casa, ligam o ar condicionado, ordenam a geladeira a cuspir gelo, compram e vendem a Petrobrás. Tudo da rua, do carro, do caminho. Talvez seja.

Mesmo assim, prefiro ter certeza de que, ainda que esteja tudo apagado, a geladeira sem gelo e alienado em relação a PETR4, haverá sempre algo fantástico me aguardando em casa: minha família. Com ela, tempo para curti-la e a opção de desligar o celular.

Que fique claro que não inventei nenhuma estatística ou dado mencionado neste artigo. As mobile brokers já começam a pipocar por ai. Pense bem, você pode se transformar no gatilho mais rápido da Bovespa[bb], mas corre o risco de comer comida fria. Entre você e seu dinheiro, escolha você. Está servido?

Crédito da foto para Marcio Eugenio.

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