Thiago comenta: “Navarro, os juros estão caindo, o governo finalmente mexeu na rentabilidade da caderneta de poupança e o crédito ficou mais barato. Como o pequeno investidor deve encarar esta realidade? Onde aplicar nosso dinheiro para garantir melhores retornos? A poupança continuará atraente? Em que situações? Obrigado”.
Até pouco tempo atrás, coisa de uns 10 anos, investir no Brasil era relativamente simples. Bastava aplicar seu dinheiro em produtos de renda fixa, geralmente fundos conservadores oferecidos pelos bancos, e esperar pela virada do ano. Ao final de 2002, a Taxa Selic estava em 21%. Apesar da alta da inflação na mesma época (IPCA foi de 12,5%), era possível ganhar pelo menos 6% reais (sem impostos, taxas e descontada a inflação), ao ano, quase sem risco.
Em contrapartida, investir na poupança significava “perder” dinheiro. Em 2002, para ficarmos no mesmo exemplo de 10 anos atrás, a caderneta teve rentabilidade de 8,95%. Muito, mas pouco, já que a rentabilidade real, usando a inflação como parâmetro, foi negativa. Em termos simples, seu custo de vida aumentou 12,5% (IPCA) e a poupança rendeu 8,95% – logo, seu ganho real foi cerca de 4% negativos (clique para entender melhor essa conta).
A situação mudou!
Os juros básicos da economia (Selic) foram caindo, em um movimento iniciado com mais ímpeto na gestão de Henrique Meirelles (governo Lula) e seguido com ainda mais vigor pelo escolhido de Dilma, Alexandre Tombini. O histórico da queda dos juros impressiona: saímos do patamar de 30% em maio de 1998 para os atuais 9% em maio de 2012.
Com os juros em 9% ao ano, a rentabilidade da poupança (0,5% ao mês mais a variação da TR – Taxa Referencial) passa a ser muito interessante. Sem incidência de Imposto de Renda (IR) e taxas, ela já se equipara à rentabilidade líquida (descontado IR e taxa de administração) de muitos fundos de renda fixa tradicionais. No artigo “O que fazer, como aproveitar e o que evitar com a queda dos juros” abordo a questão dos juros bancários.
Diante deste cenário, muitos leitores enviaram questões relacionadas aos seus investimentos, às mudanças na caderneta de poupança e suas decisões financeiras daqui em diante. Aproveitarei este artigo para tentar responder algumas delas.
Quais foram as mudanças anunciadas para a caderneta de poupança? Elas já estão em vigor?
Para poupanças abertas a partir de 04/05/2012, haverá um gatilho que diminuirá o retorno da poupança. Quando a taxa de juros fixada pelo Banco Central, a Selic, for igual ou inferior a 8,5% ao ano, o rendimento dos novos depósitos será igual a 70% da Selic mais a variação da TR. Se a Selic voltar a subir e ultrapassar o patamar de 8,5% a.a., a regra antiga da poupança será usada para corrigir os valores depositados.
Por que mexer no retorno da caderneta de poupança?
Imagine os juros (Selic) em 7% e a caderneta de poupança rendendo os mesmos 6% garantidos todo ano. A rentabilidade real de muitos produtos de renda fixa ficaria muito abaixo da caderneta, podendo levar investidores a migrar seus investimentos. Isso traria o risco de o governo passar a ter dificuldades para vender títulos públicos, que são a base de fundos de renda fixa e servem para “financiar” o Estado.
Assim, a rentabilidade da poupança acabou se tornando o piso da taxa de juros. Ou seja, sem mudar o retorno da poupança não seria possível levar os juros para níveis menores que os 6% até então garantidos da caderneta. Esse problema já havia sido discutido no governo Lula, que considerou o tema “impopular”. Dessa vez, a mudança gerou uma Medida Provisória (MP), que está na Câmara dos Deputados e requer aprovação.
Cadernetas de poupança já existentes serão afetadas?
Sim. De acordo com a MP apresentada, a partir de 04/05/2012, aportes feitos em contas-poupança já existentes também serão rentabilizados a partir da nova mudança proposta. Tenha em mente, portanto, que as novas regras valem para novas contas e novos aportes em contas já existentes.
Então, apesar de ser a mesma caderneta, os depósitos serão identificados de acordo com a data e assim rentabilizados de forma diferente?
Isso mesmo. Os valores já depositados antes da entrada em vigor da “nova poupança” terão sua rentabilidade mantida de acordo com as regras antigas. Novos aportes, porém, sofrerão ação do gatilho de 8,5% da Selic.
Mas, como o banco vai distinguir o que é depósito novo e o que é depósito antigo?
Segundo o Banco Central, o banco será obrigado a apresentar ao poupador, em separado, o saldo da caderneta que está sob as regras antigas. Essa informação será apresentada nas consultas aos terminais de atendimento e no extrato bancário. Na prática, você terá dois saldos referentes à caderneta de poupança.
E o que acontecerá quando eu for sacar dinheiro da poupança? O total sacado será retirado do montante mais novo (dentro das novas regras) ou da poupança mais antiga?
Em caso de saque, o dinheiro vai sair primeiro da parte sob as regras novas. O dinheiro “antigo” só sai da conta se o dinheiro “novo” não for suficiente.
Em caso de transferência de poupanças de mesma titularidade, será usada a nova regra da poupança?
Sim. A movimentação caracteriza um saque (da poupança de origem) e um depósito (na poupança destino), sendo considerada uma nova movimentação. Logo, o gatilho originado da nova regra passará a valer para esta transação.
E no caso dos rendimentos de dinheiro considerado “antigo”, ou seja, de uma caderneta já existente antes da data da mudança?
Os rendimentos do dinheiro aplicado antes da nova regra serão considerados “dinheiro antigo”, ou seja, somar-se-ão ao montante investido antes da regra e seguirão rendendo pela regra antiga até que sejam utilizados.
Há possibilidade da Taxa Selic cair abaixo de 8,5% e subir novamente dentro do mesmo mês, dificultando o cálculo da rentabilidade do dinheiro aplicado?
Não, pois as reuniões que definem essa taxa são realizadas a cada 45 dias pelo Comitê de Política Monetária (Copom), inclusive com calendário já divulgado.
Como o investidor deve encarar essa mudança na rentabilidade da poupança? Em que situações a caderneta será interessante?
A verdade é que o pequeno investidor não deve mudar muito sua concepção sobre o uso da caderneta de poupança. Para aplicações de curto prazo (até um ano), poupança para compra de bens à vista e fundo de reserva para emergências, a poupança continuará sendo uma excelente opção.
Vejamos alguns exemplos:
- Em caso de Selic a 8,5% ao ano, percentual que dispara o gatilho da poupança, fundos DI terão que oferecer taxas de administração menores que 1% ao ano para resgate em até um ano ou serão menos rentáveis que nova poupança. O mesmo acontece com CDBs (títulos privados) que paguem menos de 90% do CDI e operações com títulos públicos cujos custos sejam maiores que 0,5%;
- Em caso de Selic a 8%, a rentabilidade da poupança (5,6%) praticamente empataria com de fundos de renda fixa com taxas de administração de 0,5% (5,7%) e ainda venceria CDBs que paguem menos de 96% do CDI.
Apesar da mudança, os investimentos feitos na caderneta de poupança renderão mais que outros produtos conservadores de curto prazo?
Por enquanto, sim! A diferença é que essa situação não acontecia com tanta frequência, o que exigirá dos bancos uma mudança de postura em relação aos custos envolvidos em seus fundos de renda fixa voltados para o pequeno poupador. Taxas inferiores a 1,5% terão que ser prática comum ou a poupança continuará sendo mais interessante. O mesmo vale para a rentabilidade dos títulos privados (CDB), que terão que remunerar melhor o investidor (pelo menos 95% do CDI). Você pode ver outras simulações clicando aqui.
Como sei quando vale a pena? O que devo levar em consideração?
Dois fatores merecem atenção: o Imposto de Renda – as alíquotas vão de 22,5% (resgate antes de seis meses) a 15% (após dois anos) do ganho – e custo do investimento – a taxa de administração no caso dos fundos e os custos operacionais (custódia e taxa de negociação) no caso da compra e venda de títulos públicos (Tesouro Direto).
Uma referência geral pode ser útil: para Selic entre 8% e 10% (situação esperada para 2012), fundos de renda fixa só serão tão ou mais interessantes que a poupança se oferecerem taxa de administração máxima de 1,5% (prazo acima de dois anos) e 1% (prazo de até um ano). Para os CDBs, só se oferecerem pelo menos 95% do CDI. A verdade é que muitos fundos perderão para a poupança se não mudarem suas taxas.
Ora, então a mudança da poupança pode ser considerada uma boa notícia?
Sim. Ao ser anunciada a medida, percebi que muitos brasileiros ficaram inquietos, alguns até preocupados. Primeiro, não há razão para pânico, afinal não se trata de confisco ou coisa parecida – felizmente, isso é passado. Segundo, muita calma com o discurso “eles querem tirar dos pobres e não dos ricos”, já que não é possível ser uma potência econômica e criar melhores condições para os negócios (empreendedores, concessão de crédito, expansão comercial etc.) com juros elevados.
Além disso, uma aplicação cujo retorno esteja sempre acima dos juros básicos, de forma garantida, geraria distorções no trânsito de investimentos e, consequentemente, na economia. Ninguém compraria títulos públicos se a caderneta desse mais retorno (e sem taxas e impostos), certo? Sem vender seus papéis, o governo perderia sua capacidade de investir e rolar sua dívida, além do que haveriam recursos em excesso para o financiamento imobiliário (65% dos depósitos na poupança devem ser usados para este fim) e escassez para outras coisas.
O cenário “deixa como está” seria bem pior, acredite. Assim, mexer na rentabilidade da caderneta de poupança era essencial para permitir a queda de nossos juros reais, desonerando assim o custo do capital. A consequência mais perigosa ainda continua sendo a inflação, que por enquanto está sob controle, mas assusta economistas no que diz respeito ao ano de 2013. Até lá, façamos todos nossa lição de casa: ler sobre o tema e sobre as possibilidades de fazer render nosso dinheiro. Estamos juntos nessa.
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Foto de sxc.hu.