Na última semana, conversei com a Luciana, jornalista do Diário do Comércio (Belo Horizonte), que gostaria de saber minhas impressões sobre o possível fracasso na recente Rodada Doha. Confessei à Luciana que, apesar de tratar diariamente de assuntos ligados à economia, esta não era a “minha praia” e acabei indicando para a matéria outra colega.
Agora, com mais tempo e em um espaço maior, tomo a liberdade de tecer algumas considerações. Antes de começar, uma curiosidade: Doha (Qatar), foi o nome escolhido por esta ter sido a sede, em 2001, da primeira conversa sobre liberalização do comércio, ocorrida durante o 4o. encontro ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio).
O mundo hoje passa por um problema grave: a inflação.
Não é segredo para ninguém que o fenômeno inflacionário é um ingrediente ímpar na historia da humanidade. Vemos, por exemplo, a alta de preços decorrente do acesso, por parte da população mais pobre, a uma alimentação mais rica e consistente. Pois é, entender de economia e finanças nunca foi tão importante.
Podemos afirmar, com uma razoável consistência, que Brasil, China e Índia, através do crescimento econômico dos últimos anos, criaram uma espécie de efeito colateral. É simples, acompanhe: quando o aumento da produção se desarranja com as curvas de demanda, os preços sobem. Alguns países, como o Brasil, apostavam suas fichas na chamada Rodada Doha para conseguir frear o protecionismo americano e europeu.
Assim, pensavam, seria possível aumentar suas produções e exportações agrícolas se beneficiando desses fortes mercados. Mas o que, a grosso modo, parece simples, na prática se tornou um fracasso absoluto. Os países chamados desenvolvidos não se deixaram convencer pelo viés humanitário dado ao último encontro, na Suíça, e endureceram o jogo, pedindo contra-partidas como maior abertura desses novos mercados (em desenvolvimento) a seus produtos.
Nos últimos momentos, o Brasil ainda aceitou algumas medidas propostas pelos negociadores, como a redução dos valores subsidiados aos produtores internacionais (valor inferior ao pretendido). Mas não foi o bastante. Além do acordo não ter encontrado êxito, o país ainda teve que engolir insinuações de traição, pois abandonou a tese defendida, durante muito tempo, em parceria com Argentina e Índia, por exemplo.
O dado concreto é que agora só restou um único caminho para levar a gama de produtos brasileiros ao mundo: os antes renegados acordos bilaterais ou mesmo através dos blocos econômicos.
“Fica a seguinte alternativa: ou bem a decisão de apoiar o acordo estava correta, por atender aos interesses econômicos do país, e nesse caso toda a diplomacia anterior estava errada ou a diplomacia dos pobres era o caminho da luz e, nesse caso, o Brasil não tinha nada que apoiar um acordo com os ricos.” (Carlos Alberto Sardenberg, economista)
Enquanto isso, os problemas mundiais que impulsionam a fome e a alta dos alimentos continuarão atingindo, sobretudo, os países mais pobres e dependentes da importação de poucos produtos – geralmente de pouca ou nenhuma competitividade no exterior. Se o assunto parece um pouco distante da sua realidade, cuidado. Não é!
Os efeitos da alta da inflação são sentidos por todos, seja com a alta dos juros, seja pela perda da rentabilidade nos investimentos ou poder de compra. Não é verdade que, na vida, sempre se aprende pelo amor ou pela dor?
Pelo que percebo, no curto prazo vamos sofrer muito, enquanto quem realmente decide ainda não aprende e implementa a “equação” que nos levaria ao efetivo e inteligente livre comércio. Fique de olho nestes temas e extraia lições para sua vida pessoal e seu cotidiano financeiro e familiar. Tenha um ótimo final de semana.
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Ricardo Pereira é consultor financeiro, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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