Karina comenta: “Navarro, imagino que você deva receber muitas mensagens assim, mas vamos lá. Como diminuir as discussões e brigas em casa, com marido, filhos e família sobre dinheiro? O orçamento doméstico nunca é colocado em prática, muitos só querem saber de consumir e o relacionamento vai se enfraquecendo. Complicado, né? Alguma sugestão? Obrigada”.
Puxar papo pode render excelentes momentos de aprendizado. Em uma sala de espera qualquer, ao conversar com um senhor sobre a vida, mencionei que trabalho com finanças pessoais e investimentos. De repente, estávamos falando de família e como o dinheiro pode atrapalhá-la. Ele suspirou e abaixou a cabeça.
Então, com um tom de voz mais baixo e ainda de cabeça afundada, como que não querendo ser ouvido, ele disse algo que jamais esquecerei: “Morar debaixo de um mesmo teto requer muito mais que dinheiro para pagar pelo estilo de vida que desejamos. É preciso sonhar os sonhos dos outros sem abrir mão dos desejos pessoais. E fazer isso sabendo que os desejos pessoais serão sempre mais fortes e tendo a certeza de que o outro também sabe disso”.
Demorei um pouco para processar e interpretar o que ouvira. Você provavelmente terá que ler o texto acima mais uma ou duas vezes para compreendê-lo bem. Então suspirei – foi tudo que consegui fazer. Ao se levantar, ele fez questão de apertar minha mão e se despedir com um sorriso sincero. Reparei que ele estava bem mais leve, mas não tinha aliança.
O dinheiro é o detalhe, o problema sempre foi e será você (eu).
A bela reflexão trazida alguns parágrafos atrás dá conta de que não brigamos ou discutimos porque sobra ou falta dinheiro, mas porque temos uma opinião sobre o que devemos fazer com ele ou uma justificativa de o por que ele foi usado de forma irresponsável. E somos ignorantes ao defender essa posição.
As estatísticas estão aí para comprovar o ditado que diz que “acabou o dinheiro, acabou o amor”. E tem ainda a falta de diálogo, outro fator muito apontado como causador de separações e divórcios. O que fazer? Não sei a resposta, mas tenho experimentado alguns passos simples extraídos de experiências pessoais, leituras e terapia. Acompanhe.
1. Defina um dia do mês para envolver a família
Falar sobre dinheiro tem que ser um compromisso como outro qualquer, com data e hora marcada e cuja prioridade precisa ser equiparada aos momentos de maior prazer familiar. Só assim a questão será tratada de maneira séria e com a atenção que merece.
Estabelecer responsabilidades na elaboração e atualização do orçamento doméstico, bem como no cuidado com as contas da família é um passo fundamental para garantir que a reunião mensal seja produtiva e dê resultados. Os objetivos e os principais problemas devem ser anotados e validados a cada reunião – o que permitirá acompanhar sua evolução.
2. Crie limites de gastos a partir do orçamento familiar
Não se pode ter dinheiro sobrando para os desejos pessoais quando não se sabe para onde o dinheiro está indo. O descontrole gera angústia, ansiedade e torna o relacionamento um caldeirão. A tendência de culpar o estilo de vida do outro conforta e disfarça a dura realidade (você não sabe quanto ganha e como gasta seu dinheiro). Aqui o exercício fundamental é o da humildade, seguido pela sinceridade.
Vocês estão juntos porque decidiram assim, então precisarão ser honestos com a realidade financeira familiar. Traduzindo, vocês terão que sentar e colocar no papel (ou planilha) o orçamento real do lar, sem hipocrisia ou falso moralismo. O desafio necessário é o de enxergar os limites não como a tentativa do outro de frustrar seus sonhos, mas como item definidor do padrão de vida possível.
3. Aproveite a tecnologia para evitar o “quem faz o quê”
A evolução na interação com os sistemas bancários e ferramentas de controle permite que aplicações automáticas sejam programadas, que contas sejam pagas sem esforço e em datas determinadas (débito automático) e que a gestão das finanças seja feita de forma mais inteligente (sistemas evoluídos a partir de planilhas).
Abra espaço para todas essas novidades e aproveite a tecnologia para facilitar o que costuma gerar discussão. Com um orçamento bem organizado e atualizado, você pode automatizar o pagamento de contas e seus investimentos, o que permitirá que o dia a dia seja bem menos carregado de situações do tipo “você deixou de investir para comprar isso?”.
4. Pare de apontar o dedo e assuma a responsabilidade
Se em uma família alguma coisa deu errado, o problema é de todos. Apesar de divertido, o processo de culpar os outros é danoso para a confiança. Sabe aquela frase famosa de John F. Kennedy, que diz “não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país”? Pois é, você faria diferente? Como? Então faça.
Se você tem uma proposta melhor, coloque-a em prática e compartilhe-a nas reuniões mensais (item 1). Essa atitude vai exigir que você deixe de lado o prazer de dizer “eu sabia que não ia dar certo, não falei?” e com simplicidade diga “eu sei como podemos melhorar isso, posso experimentar?”. É uma mudança e tanto, você vai ver.
5. Foque na solução, não no culpado
As brigas são, na maioria das vezes, momentos em que o que se busca é a verdade, não a resposta para o que precisa ser resolvido. A discussão é alimentada porque cada um dos lados está disposto a defender sua posição e fazer dela a verdade absoluta. A coisa não anda e o relacionamento piora.
Em vez de vangloriar-se por ter tido a solução ideal (que não funcionou ou vocês não estariam brigando) ou simplesmente acusar o outro por conta de um problema, pense no que ainda precisa ser feito e que está lá, aguardando uma solução. Em casa não existe promoção, não há um cargo superior que exija que alguém seja o melhor.
Retome suas raízes…
Abrir mão da razão para focar no que deve ser feito evitará que as brigas se tornem momentos de agressão pessoal. Afinal, tudo começou porque algo precisava ser realizado, certo? Por que raios a discussão terminou falando de você e sua chatice?
Não se pode temer quem se ama – e o dinheiro nesse caso apenas servirá para escravizar ainda mais o lado mais frágil. A serenidade e a paciência são atributos óbvios que merecem destaque, mas a verdade é que para gerenciar bem uma crise pessoal é preciso abrir mão da vaidade.
Alguns dirão que falar é fácil. Verdade. A diferença nunca esteve no quanto sabemos, mas no quanto somos capazes de assumir que não sabemos para, assim, aprender com o outro sem interesses colaterais ou ciúmes. Só existe diálogo onde existe respeito – um bom começo para os que acham que não é bem assim.
Até a próxima!