Desde que o mundo é mundo, ou melhor, desde que o mundo experimentou a primeira crise financeira (ao que tudo indica na Roma antiga, em 88 A.C.), surge nesses momentos um grande pessimismo, que aos poucos começa a se enraizar e fazer parte do dia-a-dia das pessoas. São muitos os argumentos técnicos e financeiros que surgem nestes períodos para embasar atitudes administrativas e medidas drásticas, como cortes de custos, ajustes de salário/jornada e até demissões em massa.
Mas, o que acontece hoje no Brasil? Como definimos os reflexos da crise em nossos resultados e em nossas empresas? O Presidente Lula, no alto de sua grande popularidade (que acaba de bater mais um recorde), deixa claro que quem apostar contra o Brasil se dará mal. Tirando sua posição, algumas de suas opiniões e acertando alguns “pingos dos is”, concordo com ele.
O primeiro ponto que merece nossa atenção é que nem a pessoa mais pessimista do governo imaginava que a crise chegaria de forma tão forte ao país – por esta razão, provavelmente não nos preparamos adequadamente e fomos pegos “de calças curtas”.
O crescimento, o consumo e as mudanças
É importante notar que durante o período de bonança poucas pessoas guardaram dinheiro e se dedicaram a viver dentro de um padrão financeiro realista. Pior, as pessoas se endividaram muito e começaram a usar mais as ferramentas de crédito (como cartão e cheque especial) como complemento de renda.
O consumo correu solto e pontuou o crescimento da indústria e do setor de serviços, levando ao povo brasileiro produtos e opções que antigamente eram exclusivos de pessoas com faixa de renda muito altas. Um bom exemplo disso são os serviços de Internet banda larga e TV a Cabo, que se popularizaram bastante.
Outro setor que experimentou um crescimento enorme nas vendas foi o automobilístico. Entretanto, aqui cabe uma ressalva muito importante: em sua maioria, as pessoas compraram carros de forma parcelada, usando o farto crédito, entrando em financiamentos longos e, quase sempre, muito caros.
Com o desemprego e a queda da renda observada já no último trimestre de 2008, alguns indicadores preocupantes começaram a aparecer. Entre eles está a taxa de inadimplência no setor automobilístico. Aliás, muito se fala sobre o potencial devastador que a inadimplência nesse setor pode trazer para a economia brasileira. Tomara que o pior não aconteça.
A contaminação, o pessimismo e as escolhas
Voltando para o raciocínio inicial, as crises são cíclicas e agem também no aspecto comportamental das pessoas. O pessimismo é um como um vírus letal que afunda de forma grotesca ótimos negócios, ótimas empresas e grandes países. Ora, quem tem dinheiro não investe, nem gasta. Quem tem sua renda comprometida prioriza gastos fundamentais, como alimentação, moradia e transporte. E lá se vai mais uma parcela do carro sem pagar.
São escolhas. Escolhas muito difíceis, aliás. O fato é quem opta pelo imediatismo se vê enrolado até o pescoço no endividamento. Aliás, qual é mesmo o número de brasileiros endividados? 80 milhões, algo muito próximo de 80% da população economicamente ativa. Muita gente, não é mesmo?
Quanto ao governo brasileiro, o caminho é um só: Incentivar o crescimento econômico. Como? Para começar, que tal poupar o dinheiro público, diminuir gastos de custeio da máquina pública e priorizar os investimentos? Assim criam-se empregos e se prepara o país para os desafios do crescimento após o fim da crise – ela há de ter fim.
Atenção especial com os juros básicos da economia e o spread bancário. Não dá pra levar bem uma economia com as taxas reais de juros praticadas atualmente. É preciso uma reforma tributária real para que as empresas possam produzir e as pessoas de maneira geral não vejam seus rendimentos se direcionarem a serviços de péssima qualidade e ineficazes.
Programas sociais são bons, justos e necessários, mas o que sobra deles de aprendizado e preparação para as pessoas? E se os governantes mudarem e os programas forem extintos? Portanto, é preciso mais: é preciso que o as pessoas estejam aptas a seguir em frente, se qualifiquem e aprendam que crises podem representar grandes oportunidades.
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Ricardo Pereira é educador financeiro e palestrante credenciado pelo Instituto DiSOP, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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