Nesta última semana o governo federal reviu seus gastos previstos no orçamento e “passou a tesoura” em muitos ministérios – Turismo e Esporte são alguns exemplos. Em tempos de crise internacional, nada mais sensato que rever as contas e ajustar o orçamento. Cálculos preliminares dão conta de que o corte foi da ordem de R$ 37,2 bilhões. Nada mal para um governo que já rechaçou esta hipótese no passado. Aplausos para a atitude inteligente e que deve ser exaltada. A sensatez é bem-vinda.
Mas eis que na calada da noite, quando todos os gatos são pardos, surge uma notícia colocando lenha nas fogueiras política e financeira do país. O programa social Bolsa Família será ampliado. Aqui não cabe qualquer discussão política, afinal essa não é nossa praia e não queremos polemizar sobre o assunto. Paremos na análise da contrariedade e na complexidade do assunto sob a ótica prática.
Em termos gerais, o limite de renda para entrada no programa saltou de R$ 120,00 para R$ 137,00. Essa alteração deve conceder o beneficio para 1,3 milhão de novas famílias, chegando a um total de 12,9 milhões de lares. Quem paga? O orçamento total do programa, previsto com a contemplação de novas famílias, será de R$ 12,34 bilhões em 2009. A mudança proposta representa R$ 549 milhões a mais em relação ao ano passado.
Bolsa Família contra a crise?
Agora que o cenário pós-crise começa a se desenhar, vejo que o foco das forças do governo esta equivocado. O grande problema que surge no mundo e que chega gradativamente ao Brasil é a questão do desemprego. Neste sentido, o programa Bolsa Família acaba sendo uma muleta – e não a cura para o problema. Isso sem mencionar os desvios e falcatruas que esse tipo de programa propicia – quem não se lembra do caso recente do gato Billy, contemplado com o benefício?
O que de fato o governo vem fazendo a respeito do primeiro emprego?
A saída, e posso estar completamente equivocado, parece passar pela criação de possibilidades factuais para que o jovem possa ter acesso ao mercado de trabalho, inclusive passando por capacitações dignas em escolas e universidades de ponta.
É claro que para a grande maioria das pessoas beneficiadas pelo programa Bolsa Família o dinheiro chega em boa hora. Tenho plena consciência de que a necessidade do almoço não substitui a promessa de um bom jantar – a fome não espera e nem marca hora. Mas o projeto social do governo não pode se limitar a isso.
As pessoas precisam muito mais do que uma bolsa, um sustento artificial: as pessoas precisam de dignidade; precisam de uma chance para trabalhar e serem reconhecidos; precisam ter a possibilidade de sonhar; precisam saber que para quem luta e se esforça sempre existe uma realidade melhor e mais próspera.
Outras medidas, outras saídas
A sociedade organizada não pode esperar ou simplesmente criticar o programa. Precisamos de fato lutar para incrementar o programa com ações específicas que possam representar, lá na frente, uma realidade de menos pessoas carentes. Precisamos não só criticar o Bolsa Família, mas pressionar de fato o governo para, por exemplo, reduzir a carga tributária. O que mais?
- Precisamos rediscutir a legislação trabalhista, tornando as leis mais flexíveis e competitivas;
- Precisamos diminuir a burocracia – principalmente para os pequenos, médios e micro empresários;
- Necessitamos linhas de crédito que sejam verdadeiramente justas (a juros decentes), capazes de fazer a economia girar;
- Precisamos de educação de qualidade. E por ai vai.
No fundo, como sociedade ainda precisamos aprender a expressar nossa indignação. Enquanto não atacarmos de fato os problemas, e isso vale para nossos governantes, nunca os resolveremos. Ficaremos sempre cuidando de “lamber as feridas”, o que politicamente significa “passar o abacaxi adiante”, mas que na prática significa um país pior. E, certamente, não é isso que queremos. Bom final de semana.
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Ricardo Pereira é educador financeiro e palestrante credenciado pelo Instituto DiSOP, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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