Cecília comenta: “Navarro, estou intrigada e curiosa para saber qual será o reflexo da queda da Selic ocorrida nesta semana. Muito se fala nos jornais, na televisão sobre a melhora para o país, mas sinto que no bolso dos consumidores essa queda não tem efeito nenhum. Estou certa? Qual o panorama neste sentido? Podemos esperar que a redução facilite nossa vida nos empréstimos, nos preços de produtos e no dia-a-dia do comércio? Aproveito para parabenizá-lo pelo blog. Sua didática e credibilidade dão aos leitores uma referência. Sua disponibilidade nos tranquiliza. Que o projeto viva por muito tempo”.
Oi Cecília. Uau, adorei seu comentário, a lógica de seu raciocínio e as palavras de apoio e reconhecimento. Fico feliz em poder colaborar e trabalho para que o projeto dure bastante. A taxa Selic é um assunto muito interessante e que costuma gerar deliciosos debates. Apresentarei algumas estatísticas de uma recente pesquisa, que seguramente facilitarão o entendimento deste ponto. Antes, vou comentar um pouco sobre o significado da Selic e sobre seu atual patamar. Muita gente não sabe o que é a Selic e qual seu valor atual. É verdade. Que tal mudar este cenário?
SELIC é a sigla para Sistema Especial de Liquidação e Custódia. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, SELIC é um sistema eletrônico que permite a atualização diária de diversos investimentos de bancos e instituições financeiras, possibilitando maior transparência e controle sobre as reservas. No uso mais comum, a Selic representa a taxa de juros usada na remuneração dos Títulos Federais (Tesouro Direto por exemplo), podendo ser usada também como base para os juros praticados pelo mercado. Por isso o nome de taxa básica de juros.
Mas você sabe por que ter a Selic mais baixa é interessante para o país? É simples. Quando os juros caem, há um natural desinteresse dos investidores pelos Títulos Públicos, fazendo com que o dinheiro, que seria usado para estes papéis, passe a ser usado no mercado financeiro e em outras aplicações de maior rentabilidade. Isso cria uma mudança sadia no fluxo de capital (dinheiro) e mais empresários conseguem abrir empresas e estas suas empresas conseguem captar mais dinheiro, de forma mais fácil e mais barata.
Você não percebe que países desenvolvidos possuem um forte e atuante mercado de ações? Nestes países, onde a taxa básica de juros é baixa, a população precisa buscar aplicações rentáveis e, por isso, investir em ações é um ato quase que cotidiano. As empresas beneficiadas por este dinheiro conseguem crescer mais, gerar mais empregos, fortalecer as exportações etc. É um círculo virtuoso. É bom lembrar que maior retorno também significa maior risco. As ações são importantes para o país, mas é preciso ficar de olho aberto! Disciplina e um bom sistema de investimento são fundamentais!
Pois é, Selic baixa é bom! A propósito, a taxa Selic atual é de 12%. É importante notar que em setembro de 2005 a Selic era de 19,75%. Em janeiro de 2006 ela era de 17,25%. A queda vem acontecendo de forma consistente e metódica, isso é fato, mas ainda não estamos prontos para a verdadeira comemoração. E me arrisco a comentar as razões:
1) O país caminha rapidamente para o investment grade, que é uma forma internacional de reconhecer o país como bom pagador de suas dívidas e como um país que honra seus compromissos, sejam eles nacionais ou internacionais. É um rótulo importante e que atrai muito capital estrangeiro, e de forma constante. No entanto, ainda não temos tal reconhecimento. A previsão é que ele chegue em 2008 ou 2009.
2) Ainda somos o país com maior taxa real de juros. A taxa real (descontada a inflação) projetada para os próximos 12 meses é de 8,3% ao ano. Em segundo lugar vem a Turquia (7,6%), seguida de Israel(5,2%), Austrália (3,9%) e China (3,6%). Isso significa que o país ainda é “caro” para seus habitantes e investidores.
3) Ainda não se vê o efeito total da queda da Selic, especialmente no bolso do pequeno investidor e da população de baixa renda. Segundo um estudo da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), a taxa média de juros cobrada da pessoa física é de 134,48% ao ano. Isso dá uma diferença de mais de 900% em relação aos antigos 12,5% da Selic. Agora com a Selic em 12%, a média estimada deve cair para 133,44% ao ano, uma queda de pouco mais de um ponto percentual. Ou seja, é pouco, muito pouco. O colega Lúcio Costi Ribeiro já havia chamado a atenção para este ponto.
4) O spread bancário, diferença entre a taxa que o banco obtém dinheiro e a taxa que ele cobra ao emprestar, ainda é muito alto. Os bancos conseguem taxas cada vez mais baixas, tanto aqui quanto lá fora, mas não repassam o reajuste ao cliente que faz uso do empréstimo.
Sem dúvida, a queda na Selic é boa para o país e para seus fundamentos econômicos. A idéia por trás do movimento é muito inteligente, mas a onda de efeitos pode demorar a chegar. Apenas para efeitos de ilustração, veja algumas taxas de juros atualmente cobradas no Brasil: Financeiras cobram, em média, 265,28% ao ano. Cartão de Crédito, 222,86% ao ano. Cheque especial, 145,73% ao ano. Taxa para empréstimo à pessoa jurídica, 62,52% ao ano. CDC bancário, 44,75%. A Selic, repetindo, está em 12% ao ano.
A balança é frágil e também não se pode derrubar de uma vez a taxa Selic e os juros dela dependentes. Isso geraria uma onda de consumo que elevaria rapidamente nossa inflação. Como assim? Com os preços mais baixos e o crédito mais fácil, a população sairia às compras em ritmo frenético. Os comerciantes, claro, subiriam seus preços. Simples assim. A Selic deve continuar baixando, talvez em ritmo mais lento daqui pra frente. Não importa. No momento, vale aprender o que ela é capaz de fazer.
Espero que o artigo tenha esclarecido as dúvidas sobre a Selic e seus efeitos no país. Que tal Cecília? O Brasil é um país de regras fiscais e econômicas complexas, portanto se ficar rico já é difícil, aqui a coisa fica ainda pior. Portanto, aproveite cada oportunidade de entender o básico da economia e de suas armadilhas. Até a próxima.