Caro leitor do Dinheirama, o artigo de hoje irá tratar de um assunto bastante polêmico: os juros altos no Brasil e a quem eles interessam. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), para surpresa de boa parte dos analistas e mídia especializada, a taxa básica de juros (também conhecida como Taxa Selic) foi reduzida em 0,50 ponto percentual, saindo de 12,5% para 12% ao ano.
A surpresa geral se deu pelo discurso tradicional de que a inflação está fora do centro da meta – a visão era a de que a manutenção dos juros mais altos seria indispensável para que os preços pudessem recuar. O discurso do mercado seguiu feroz, especialmente no sentido de considerar a baixa dos juros como interferência da equipe econômica do governo na chamada independência do Banco Central.
Hiperinflação: uma década de dificuldade
Convido você a rever um pouco da história dos juros e da inflação. Todo brasileiro com pouco mais de 30 anos deve se recordar de um dos períodos mais tristes de nossa história. A década de 80 e seus diversos planos econômicos podem ser traduzidos como um período de hiperinflação, desemprego e falta de esperanças. O Brasil era refém dos altos preços e da pouca competitividade de sua indústria.
Em 27 de fevereiro de 1994, com a publicação no Diário Oficial da medida provisória número 434 – MP 434/94 -, teve inicio o Plano Real, um marco divisor desse triste período e um dos alicerces mais importantes para a caminhada rumo à estabilização econômica.
Metas de inflação, o poder supremo do Banco Central
Em Junho de 1999, após um período de crises financeiras, o Brasil adotou o regime de metas de inflação como forma de ancorar a subida dos preços, tendo o Banco Central a responsabilidade de conduzir todos os esforços (monetários e fiscais) para cumprir tais metas.
Os anos foram passando e a inflação foi, na maior parte das vezes, obedecendo ora o topo da meta de inflação definida para o período, ora o centro da meta. De 1994 para cá, a taxa de juros no Brasil atingiu, em seu pico, inacreditáveis 45% ao ano. É verdade que, se observado o gráfico de todo o período, saímos de números expressivos para uma queda também significativa.
Brasil, a maior taxa de juros do mundo
A queda na Taxa Selic é importante, mas tem que sinalizar uma tendência de baixa. A grande pergunta (e o ponto principal desse artigo) que fica é: há necessidade de juros tão altos? Ou ainda: quais os reais motivos que nos fazem o país com maior taxa de juros do mundo?
Mesmo após a contenção da inflação, o Brasil passou por alguns períodos de pico inflacionário. As commodities aumentavam de preços, os serviços ficavam mais caros e a primeira ação era o aumento das taxas de juros para conter o consumo e esfriar a economia. Parece que os juros são a única arma para “segurar” a economia. Será?
Durante esse tempo, o discurso era de que esse expediente se justificava porque o país tinha problemas de infraestrutura – e por isso nossos produtos e serviços eram caros, mesmo sem ter grande qualidade. O que dizer dos crescentes gastos com a máquina pública, razão também de grande influência na economia?
Com o passar dos anos, a realidade dos juros altos presenteou muitos investidores com altas taxas de retorno sobre seus investimentos em renda fixa, especialmente nos títulos públicos. Do lado do país, presenciamos a dívida pública crescer cada vez mais, o que, aos poucos, foi se tornando um dos nossos grandes problemas.
A independência do Banco Central e os oito anos de Henrique Meirelles
Durante os dois mandatos do Presidente Lula, quando o engenheiro civil Henrique Meirelles esteve à frente do Banco Central, a política econômica seguiu a linha do expediente conservador, ou seja, cada solavanco inflacionário vinha acompanhado de uma martelada de juros.
Mas, se os nossos juros já eram os maiores do mundo, por que a necessidade de aumentá-los ainda mais? Ficava claro que o remédio dos juros atacava o efeito e não a verdadeira causa do problema. O mais triste é que ninguém parecia disposto a enfrentar, de fato, os verdadeiros problemas, mesmo sendo as soluções de conhecimento geral.
O artigo “Por que taxa de juros tão alta e um crescimento tão baixo?”, do Prof. Vladimir K. Teles, é muito interessante. Se compararmos os países que cresceram tanto ou mais do que o Brasil nos últimos anos, vamos nos surpreender ainda mais. O discurso dos economistas (ou seriam “mercadistas”?) perde ainda mais o sentido:
- A China, por exemplo, está com os juros em 4,9% ao ano e o crescimento médio do PIB chinês nos últimos anos ficou próximo de 10%. Mas a China é um caso a parte, dirão muitos;
- Outro bom exemplo, a Coréia do Sul tem taxa de juros de 3,25% ao ano;
- Mesmo Cingapura, que possui dados pouco confiáveis, tem taxa de juros de 6% ao ano.
O lobby dos juros altos
O que parece existir é culto à política de juros altos, quando ela não garante, de forma inteligente e sustentável, inflação baixa. A necessidade de manutenção efetiva de controle dos gastos públicos e as reformas fiscal e tributária, itens que poderiam nos colocar em outro patamar, são decisões adiadas e que não surgem na pauta econômica do país.
Esse discurso, ou lobby para que os juros se mantenham altos, não se justifica mais. Desde 1998, o país apresenta sucessivos superávits primários (atualmente conseguimos economizar 4% do PIB para pagamento dos juros da dívida), mas mesmo com toda essa economia os juros (da dívida) continuam sendo enormes e a dívida pública chega a patamares alarmantes.
O fato é que o governo precisa conter despesas e gastar melhor. Nós, cidadãos, precisamos encarar a realidade de que os juros altos são vilões tão danosos para o crescimento e desenvolvimento sustentável da nação quanto a inflação. O Brasil não pode mais concordar em ser o país com maior taxa de juros do mundo.
É hora de mudar e encontrar o verdadeiro equilíbrio entre o necessário crescimento e a inflação, mas com decisões duras, talvez impopulares e de longo prazo. Para usar um jargão bem batido, será que haverá “vontade política” para fazer o que é preciso?
Foto de sxc.hu.