Adelaide comenta: “Navarro, após reorganizar minha vida financeira (diagnosticando, cortando supérfluos e saldando dívidas antigas) alguns familiares (da turma do deixa-disso) têm tentado “aproveitar-se” de minhas economias: sugerem festas (em minha casa claro), passeios e me convidam para contribuir financeiramente com a maior parte dos gastos dos eventos, já que ‘saí do vermelho’. Enfim, como lidar com parentes e amigos e exercitar, com carinho e conscientização, a capacidade de dizer ‘não’? Estou com muita dificuldade já que ouço piadas do tipo ‘você é pão-dura’. Eu é que sei quanto dinheiro perdi com cartões de crédito (rotativo), cheques especiais e prestações infinitas. Como passar essa sensação adiante?”
Adelaide, obrigado pela visita. Suas palavras são um importante alerta para muitos leitores e, infelizmente, sua situação é muito mais comum do que pode imaginar. Carinho e consciência, uau! Você usou duas palavras muito especiais e pelas quais demonstro sempre muito apego. O carinho é a chave para qualquer projeto de vida bem sucedido e a consciência representa o respeito por si mesmo diante dos relevantes momentos de tomada de decisões. Para firmar-se diante da família e dos amigos, e não tornar-se vítima destes, é preciso antes respeitar-se. Esse processo envolve, entre tantas outras coisas, o aprendizado do “não”.
Simplifique!
Não queira que todos gostem de você. É sério, prefira que todos respeitem seu modo de ser, suas qualidades e defeitos. Assim como sua vida pessoal merece certa blindagem, suas finanças merecem sigilo e privacidade. Familiares e amigos muito próximos normalmente tendem a enxergar apenas as superficialidades, o que torna o relacionamento financeiro bastante desgastante. Quase sempre, falar “não” passa a ser somente uma importante atitude de sobrevivência quando deveria ser a porta para um diálogo verdadeiramente sincero em seus propósitos.
Não é não! Pare por ai!
O grande problema é que, quase que por instinto, acabamos falando mais do que um simples “não” e o momento de reflexão passa a ser apenas mais um grave e longo desabafo. Como lidamos com pessoas próximas, nos sentimos compelidos a falar mais do que apenas a grande razão para a inflexão demonstrada. Acabamos, involuntariamente, “cuspindo” verdades entaladas por tempos em nossos corações. O “não” vira uma lição e o relacionamento passa a ser criticado pelo negativismo e não pelas verdadeiras razões para a negação financeira.
Quando conversar sobre dinheiro é algo sacrificante, é hora de recomeçar. Perceber essa linha tênue é difícil, mas é parte crucial do bem falado “não”. Costumo dizer que:
Você não precisa fazer tudo. Quem faz tudo para todos não tem tempo de fazer quase nada para si mesmo. É muito bonito ouvir “Se não puder fazer tudo, faça tudo que puder” na televisão, mas como fica a necessidade de relacionar-se com a frustração? Nossa educação é feita de muitos “sim” e raríssimos “não”, como se a disponibilidade fosse essencial para a vida plena e feliz. Lembre-se de que nem tudo na vida existe em abundância ou está em um local de fácil acesso. Aprender a lidar com a privação é uma forma crucial de crescimento pessoal e o melhor é não tentar evitar que isso aconteça.
Nem sempre o “NÃO” é o melhor “não” possível. O debate financeiro é uma grande oportunidade de transformar a negação em oportunidade de aprendizado. Ao negar dinheiro a um parente você está investindo em seu futuro financeiro. Acreditar nisso é o primeiro passo para que apareça a oportunidade de demonstrar-lhe o raciocínio por trás dessa afirmação. Quando alguém quiser aproveitar-se de você, perca alguns minutos demonstrando o esforço que fez para chegar onde está e compartilhe de suas dificuldades. Peça atenção de seu ouvinte e lembre-se de não misturar as “verdades escondidas”, o desabafo, com a chance singular de crescer e fazer seu interlocutor crescer.
Assumir sua posição e não deixar-se levar pela dúvida é fundamental. Estabeleça suas prioridades e respeite-as, deixando-as bem claras para todos os que por ventura possam abordar-lhe pedindo dinheiro. Se começar a levar adiante a estratégia “dois pesos e duas medidas” vai acabar voltando para os dias de amargura financeira. No entanto, cuidado para não tornar-se uma pessoa inflexível. Pode ser que, num primeiro momento, seus parentes e amigos sumam porque você resolveu agir de forma mais drástica. Isso passa.
Cobrar de parentes é embaraçoso e incômodo. Mesmo que o ente em questão seja reconhecido como bom pagador, a estatística demonstra que em raríssimas vezes o dinheiro é devolvido. Além disso, imagine-se tendo que lembrar seu primo do dinheiro emprestado ou ainda tendo que dar um puxão de orelha em seus amigos por aquele churrasco feito com seu dinheiro. É chato! Sabendo disso, fica mais fácil falar “não” sem apenas esbravejar ou dar lição de moral, não acha?
O melhor investimento na família e nos amigos é o tempo que você passa com eles. Quando alguém lhe pedir dinheiro, ofereça 20 minutos de seu dia para uma conversa sobre educação financeira, alternativas de crédito e investimentos. Sua disposição certamente demonstrará o carinho e apreço que tem por aquele ouvinte e o fará mudar sua atitude nas próximas abordagens. Crie um ambiente sadio para discutir o dinheiro e esteja sempre disponível para recomendar ou indicar bons materiais de referência. Melhor que ser uma referência financeira é ser uma referência de sabedoria cotidiana. Credibilidade e respeito são melhores companheiros para a vida que os rótulos simplistas “amigão” e “bonzinho”.
OK! Não é tão fácil assim!
Autoridade familiar é assunto para muitas linhas e palavras, é verdade. Não há como escrever de outra forma, portanto lá vai: seja coerente e consistente com os seus objetivos de vida, mesmo que isso incomode parte de sua família ou círculo de amigos. Agradar a todos é muito legal e pode torná-lo uma pessoa popular, mas será que isso é suficiente para seus desafios do dia-a-dia? Seja sincero nos debates com a família e procure demonstrar o quanto você batalha por sua indepedência financeira. Passe mais tempo com eles.
Cuidado para não confundir-se com minhas palavras. Não trata-se de dar mais valor ao dinheiro, mas de dar real valor à família. Que família é essa que só lhe procura quando precisa de dinheiro? Não soa estranho vermos pais e mães que nunca dedicaram parte de seu tempo para ensinar os filhos a valorizarem suas finanças pedindo a eles dinheiro emprestado? É triste notar que muitas famílias pegam-se brigando mais pelo dinheiro que pela fraternidade entre seus elos. O assunto é polêmico, mas precisa ser discutido.
No meu ponto de vista, é o raro exercício da frustração que alimenta essa triste realidade. De forma geral, somos poucos inflexíveis porque ouvir um “não” incomoda mais do que deveria. Felizmente, aprendi que o “não” é mais importante que o “sim” na valorização daquilo que conquistamos. Deixo uma frase constante de meu aprendizado, proferida por Winston Churchill: “Sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo”. E você, tem apenas falado “não” ou tenta também construir algo melhor?
Crédito da foto para Marcio Eugenio.