A BM&F Bovespa, bolsa de valores brasileira, trabalha para atingir a meta bastante ousada de 5 milhões de investidores diretos (pessoa física) cadastrados até 2015. Somos cerca de 650 mil investidores atualmente, ou 13% do total previsto. O caminho é longo. Ações no sentido de orientar o investidor têm sido feitas, divulgadas e são cada vez melhor elaboradas. Torcemos e trabalhamos para tal, mas algumas questões precisam ser consideradas.
Quem investe em ações sabe que o principal problema do investidor iniciante é justamente começar. Para uma grande maioria, o mercado de ações ainda é considerado um investimento muito arriscado, além de ser um “estranho” e “difícil” meio de construir patrimônio e riqueza. Se o olhar é cauteloso, a abordagem precisa ser simples, de fácil interpretação. “Quer ser sócio?”. Mas, e depois?
- Com quanto dinheiro começar?
- Como escolher uma corretora?
- Comprar ações de quais empresas?
As perguntas acima publicadas são apenas algumas das mais comuns que normalmente recebemos por e-mail e que são proferidas em eventos e palestras. Abordamos muitas delas em diversos outros artigos, mas pretendo trabalhar a questão de uma forma mais simples neste texto, usando o olhar do iniciante e a experiência de quem já colaborou com muitos novatos.
Risco, volatilidade e estratégia
O mercado de ações é parte do chamado mercado de renda variável. A oscilação dos papéis, e consequentemente dos índices, é característica básica deste tipo de investimento. Os movimentos de alta e baixa denominam a chamada volatilidade, variável importante da sistemática de risco presente na bolsa de valores. Vale a máxima “quanto maior o risco, maior o retorno”. O iniciante, portanto, precisa entender e aceitar que o “sobe e desce” faz parte.
Conhecida a natureza da renda variável, o investidor deve questionar-se quanto ao grau de aversão ao risco. Sua estratégia de investimentos precisa estar alinhada aos seus objetivos e perfil pessoal. Traduzindo, você pode querer tentar retornos maiores através do investimento em ações para aposentar-se com tranquilidade. Longo prazo, pois. A decisão influencia a frequência de operações (trades), que empresas escolher e até mesmo que tipo de conhecimento específico adquirir (o insosso debate análise fundamentalista versus análise técnica).
Não existe certo e errado no investimento em ações. Não? Não como estamos acostumados a rotular. Estratégias que funcionam bem (ou não), momentos e aprendizado, estes sim estão presentes no dia a dia das negociações de ativos. Pequenas perdas que, se bem aceitas e processadas, evitam grandes prejuízos. Lucros constantemente realizados, ainda que pequenos, que evitam que a ganância se instale. Investir na bolsa é essencialmente nutrir a psicologia ligada à tomada de decisões e reflexos do noticiário. “Não no longo prazo!”, dirão alguns.
Longo prazo? Longo quanto?
Simplificar a bolsa de valores como a “possibilidade de ser sócio de empresas que investem no crescimento do país” dá o tom da importância do mercado de capitais, é verdade, mas não deixa clara a realidade que move os negócios. Minha crítica à maioria dos apelos de investimento das instituições e corretoras vai neste sentido: frisam com insistência que trata-se de investimento de longo prazo e como exemplo de rentabilidade plotam gráficos comparativos históricos entre o Índice Ibovespa, CDI, poupança e tal.
Que longo prazo? Quão longo prazo? Como escolher as empresas mais interessantes para este dado longo prazo? Que ação escolher se as mesmas corretoras atualizam freneticamente suas carteiras recomendadas? O leigo, justamente aquele que se pretende “fisgar” para popular as estatísticas (e o crescimento do país, claro), quer ser sócio, investir com segurança em uma ou outra empresa de futuro. Que futuro? Uma semana, um mês, um semestre, quando mudarão as “top picks”? Quanto dura a recomendação de um papel?
O modelo de negócios não é esse. Ser sócio, vangloriar o longo prazo, vender a ideia de construção de patrimônio não combina com a regra financeira vigente. Como as corretoras ganham dinheiro? Com corretagem, em taxas auferidas sempre que um investidor emite uma ordem de compra ou venda. Ora, ganha-se com as movimentações do cliente. Se ele compra poucas vezes e fica sócio durante muito tempo, ganha-se pouco com seu cadastro. A sociedade de longo prazo é ótima, desejada, mas não sustenta o sistema financeiro. E sempre foi assim. E será.
Investir em ações pode ser frustrante
O iniciante choca-se com essa realidade assim que passa das belas e chamativas propagandas para o mundo real do home broker. Passado o susto, ou ele se frustra diante da dedicação exigida para entender bem os meandros da negociação de ativos (tem gente que acorda cedo e trabalha o dia todo, você deve saber) ou ele aceita as persistentes ofertas de cursos de Análise Gráfica oferecidas pela corretora, além das palestras sobre operações, day trade etc. Este passa a querer fazer parte do mercado como o mercado deseja que ele faça parte. “Investidor ativo” é como o chamam. Ele entra no sistema.
Ocorre que muitos desses investidores operam pequenos valores no mercado fracionário e, depois de muito estudar e aprender, começam a “curtir suas recompensas”. Ganhos de 5% em um trade aqui, outros 3% ali. Quiçá 10% depois de uma grande tacada. A realidade percentual anima, é excelente, mas o valor absoluto não. Muitos negociam valores pequenos e, no frigir dos ovos, o esforço monumental, a noite em claro acompanhando o noticiário e as muitas horas analisando gráficos rendem poucos Reais. “Tudo isso por R$ 100,00? Tanta ansiedade, trabalho e dedicação por R$ 155,00 de lucro?”, costumo ouvir com frequência.
Ah se esse mesmo investidor tivesse R$ 500 mil para negociar, não é mesmo? Ele não tem; o brasileiro típico não tem. E se suas primeiras experiências na bolsa forem frustrantes, demorará muito a ter. E vai se cansar da bolsa como ela se apresentou. Pois é, como fica a popularização? Parece que falta uma atração mais realista para quem vai começar, para o tradicional conservador da renda fixa, dos imóveis e afins.
A prestação de serviços neste sentido precisa ser mais inteligente, com maior valor agregado e atenção ao: 1) perfil do investidor; 2) seus objetivos; e 3) sua disponibilidade de recursos para investir. Corretoras com serviços adicionais, cursos, gestão de carteiras, fundos acessíveis, clubes de investimento e disposição para realmente assessorar seus clientes tendem a se destacar. O cliente precisa se sentir confortável nesse ambiente e não tem sido assim.
Freqüentemente me pergunto:
- Para o investidor iniciante, por que não recomendar os fundos de índice (ETFs)? A liquidez hoje em dia não é mais um problema. Veja o exemplo do mercado norte-americano, com mais de 1100 opções de ETF e ativos gerenciados que chegaram a US$ 1 trilhão em 2010. Taxa de administração mais baixa, diversificação e aportes iniciais menores não são fatores muito interessantes para quem quer começar?
- Por que não começar com um fundo de ações com razoável diversificação, ainda que haja taxa de administração e Imposto de Renda, para familiarizar-se com a dinâmica do mercado e, com paciência, aumentar o valor total aplicado a fim de ter uma quantia mínima maior para negociar lotes inteiros de pelo menos quatro ou cinco empresas? Existem excelentes opções de fundos com taxas de até 3% ao ano – percentual razoável para a renda variável – disponíveis nos principais bancos de varejo e gestores independentes.
Afinal de contas, para ser sócio é necessária muita confiança, cumplicidade e sinergia. Dá para confiar em corretoras e empresas que querem que você se transforme em um exímio analista gráfico ou trader quando seu verdadeiro objetivo é destacar-se na sua profissão e ter mais tempo para a família? Alguns investidores – a maioria, especialmente aqui – simplesmente não têm o perfil. Mas há também aquelas empresas e escritórios de investimento diferenciados, portanto a questão também passa pela nossa avaliação e escolha. Fique esperto!
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