Home Investimentos 80% dos fundos de renda fixa perderam para o CDI no início de 2023. O que está acontecendo?

80% dos fundos de renda fixa perderam para o CDI no início de 2023. O que está acontecendo?

by André Salmeron
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Um novo estudo realizado pelo núcleo de research da Portfel, consultoria de investimentos do Grupo Primo, chegou a uma conclusão surpreendente: 80% dos fundos de renda fixa perderam para o CDI ao considerarmos o 1º trimestre de 2023.

Do grupo de 409 fundos de renda fixa, que excluem aqueles focados em títulos de inflação, apenas 79 superaram o CDI nos três primeiros meses de 2023. Isso equivale a cerca de 19,32% do total, com os demais 80,68% perdendo para o índice que representa o retorno “sem risco” do mercado de crédito brasileiro.

A esmagadora maioria dos fundos levantados ficou com um percentual inferior aos 3,20% obtidos pelo CDI nesse primeiro trimestre, encerrado em 31 de março de 2023. A média do grupo ficou na casa dos 2,76%. Contudo, entre as piores colocações, há inclusive fundos com rendimento negativo no ano, com o pior deles amargando -0,88%. Fundos de grandes bancos e corretoras chegaram a render, em três meses, menos que os 1,17% que o CDI entrega por mês.

Embora esses dados chamem bastante a atenção, é importante notar que eles estão em linha com a performance do principal indicador de crédito privado do Brasil, o Índice de Debêntures Anbima DI (IDA-DI). Para facilitar, podemos dizer que o IDA-DI é como se fosse o CDI do mercado de crédito privado, refletindo de forma muito fiel o quanto esse mercado produziu de retorno.

Para se ter uma ideia, em 2023 esse índice acumula um retorno de 0,16% ou 5% do CDI, e isso porque estava com rendimento negativo até o dia 29 de março — ou seja, com dois dias faltando para o encerramento do trimestre. Isso é algo bem fora do comum ao considerarmos que, desde que foi lançado, em 2013, o IDA-DI costuma gerar um retorno anualizado de 117% do CDI — em linha com o risco maior de lidar com títulos privados.

Como o IDA-DI representa o mercado de crédito privado como um todo, o que essa queda significa é que os investimentos em crédito privado no Brasil, como um todo, estão sob situação de extremo estresse. Isso, obviamente, vai se refletir no resultado dos fundos de investimento, porque eles investem basicamente em títulos de renda fixa de emissão privada. O lado bom é que, no médio e longo prazo, a situação tende a se normalizar.

O que explica o crédito sob estresse?

Como podemos ver na imagem acima, a derrocada do IDA-DI aconteceu de forma bastante súbita. A razão para isso é que no dia 11 de janeiro de 2023, foi divulgado um rombo de R$20 bilhões de Lojas Americanas, que chega hoje a cerca de R$40 bilhões. Esse evento gerou um estresse gigantesco no mercado de crédito, uma vez que a empresa era considerada sólida.

A empresa vinha divulgando há décadas seus balanços contábeis, verificados por auditoria, e era avaliada como boa pagadora por agências de crédito internacionais. Além disso, a empresa era parcialmente controlada por três dos maiores bilionários do Brasil — Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, sócios na 3G Capital. Isso fazia com que Lojas Americanas fosse figurinha presente em virtualmente todos os fundos de crédito privado.

Não fosse o bastante, no dia 31 de março a Light, empresa que cuida do fornecimento de energia elétrica do Rio de Janeiro, anunciou contratação da empresa que foi responsável pela recuperação judicial de Oi. Isso, em meio a sérios questionamentos sobre a sustentabilidade financeira da companhia, fez com que os papéis da empresa derretessem tanto em bolsa quanto no mercado de crédito privado.

Além de Lojas Americanas e Light, grandes empresas como Oi, Azul, CVC e Marisa também deram entrada com pedidos de recuperação judicial pouco depois. A conjunção desses problemas reverberou profundamente, afetando de forma drástica os papéis de várias outras empresas que, a princípio, não estavam em situação de crise. Entretanto, sofreram na medida em que o mercado, como um todo, reavaliava todas as suas posições.

Crédito IPCA sofreu perdas bem maiores

Embora a situação do crédito privado medido pelo IDA-DI seja bastante preocupante, ela ainda é muito melhor do que a dos títulos de crédito privado atrelados a inflação. O IDA-IPCA, que mede o retorno desse mercado, acumulou no primeiro trimestre de 2023 uma perda total de -2,11%.

Esse resultado se contrasta com um ganho de 4,68% do IMA-B, índice que reúne os títulos do Tesouro Nacional atrelados a inflação. Embora o IDA-IPCA só inclua empresas consideradas grau investimento, atribuído por agências de risco nacionais e internacionais, trata-se de uma forma de crédito mais frágil, especialmente num país com inflação historicamente alta.

Nessa medida, o impacto tanto da inflação quanto da recuperação judicial de diversas empresas, tende a afetar esse tipo de título de forma muito mais intensa. No pior momento do trimestre, o IDA-IPCA chegou a gerar um retorno de -4,80%, enquanto o IMA-B se mantinha 0,18%. A trajetória completa dos dois índices, ao longo do primeiro trimestre de 2023, pode ser observada abaixo:

O efeito das taxas de juros

Considerando que o Brasil acumula, nos últimos doze meses, uma taxa Selic de 13,28% e uma inflação de 4,65%, isso nos traz a um juro real de 8,25% ao ano sem risco de crédito — visto que esse é o retorno oferecido pelo próprio Tesouro Nacional. Se por um lado isso é bom para a renda fixa, isso é péssimo para a renda fixa porque as empresas se veem forçadas a girarem seu capital e a emitirem dívidas com taxas muito, muito acima do que seria esperado.

Em contraponto, como a taxa Selic define o preço mínimo dos empréstimos no país, esse patamar bastante elevado faz com que as empresas sofram em uma outra frente, que é pela diminuição forte do consumo das famílias. Na medida em que não há consumo e que o nível dos juros se mantém elevadas, a capacidade das empresas operarem é reduzida de forma muito intensa.

Nessa medida, a lentidão da capacidade de recuperação do crédito nacional pode estar associada a uma insistência por parte do Banco Central e seu presidente, Roberto Campos Neto, em acatarem uma redução da taxa Selic. Embora a inflação brasileira esteja há alguns meses sob controle (média histórica anualizada de 6% a.a.), o país segue com a maior taxa real de juros do planeta, com ampla vantagem sobre quem ocupa o segundo lugar.

Perspectivas para o futuro próximo

Ainda que esse texto pareça sugerir que a melhor opção é ficar longe de fundos de crédito privado, esse definitivamente não é o caso. Na medida em que o mercado tratou problemas de algumas empresas como um problema de todas as empresas, abriu-se espaço para que bons fundos adquirissem títulos de renda fixa a preços muito abaixo do seu valor histórico.

O que isso significa, na prática, é que quem seguir investindo nesses fundos tende a colher resultados bem interessantes no médio prazo, conforme a situação se normaliza. Como explicou Warren Buffett, maior investidor da história moderna, o mercado serve para transferir dinheiro de quem não tem paciência para quem tem paciência. Como devem imaginar, esse é um momento especialmente importante para cultivar a paciência.

Nota: como foram selecionados os fundos?

Embora não seja um retrato perfeito, considera-se que essa base de 409 fundos é representativa do cenário atual da renda fixa brasileira focada em crédito privado. Isto é, aqueles fundos que efetivamente operam com uma exposição mais alta a debêntures e outros títulos de emissão privada, que tendem a render mais que o CDI — que pode ser obtido, em larga medida, simplesmente investindo no Tesouro Selic.

Foram excluídos fundos master, atrelados a outros índices (IPCA, IMA-B5, IRF-M, etc.), aqueles com patrimônio líquido inferior a R$100 milhões e fundos de previdência. Fundos referenciados ao CDI, que precisam alocar no mínimo 80% em títulos do tesouro nacional e 95% em títulos atrelados ao CDI, também foram excluídos.

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