No artigo do mês passado sobre ilusão cognitiva (clique para ler), falamos sobre as ilusões cognitivas e de como elas se assemelham às ilusões de ótica:
- Ambas são percebidas imediatamente como verdades;
- Precisamos que alguém nos diga que se trata de uma ilusão;
- O fato de sabermos que estamos diante de uma ilusão não faz com que o “efeito ilusório” desapareça.
Só para relembrar, aí vão as linhas utilizadas no artigo anterior, que parecem ter comprimentos diferentes, mas são exatamente do mesmo tamanho:
Hoje vamos falar sobre uma ilusão cognitiva muito poderosa, que está presente o tempo todo em nossas vidas e que começa a ser experimentada desde muito cedo, ainda na infância: a socialização pelo consumo.
Socializar pelo consumo é perceber que essa necessidade básica do ser humano de ser aceito por um grupo só pode ser suprida quando se tem um padrão de consumo idêntico ao dos demais integrantes.
Para estrear no mundo social, fora dos limites da família, temos que estar “fantasiados” com aquilo que consumimos. Digo fantasiados, porque é preciso mostrar para o grupo o seu padrão de consumo.
A lógica da aceitação social aqui é ter (e principalmente, mostrar aquilo que se tem) para obter o passaporte de entrada. Além disso, é preciso manter esse padrão – a fantasia tem de estar bonita, atualizada e vistosa –, caso contrário você “descola” do grupo, já que não há outra afinidade capaz de mantê-lo coeso.
É o padrão de consumo que dita a inclusão e a exclusão social
Sentir-se excluído causa muito sofrimento. Historicamente, aprendemos que estar só nunca foi uma boa opção, já que isso significou durante milhares de anos a diferença entre estar vivo ou morto. Nossa evolução nos ensinou a sermos seres sociais.
E eis aí a nossa ilusão cognitiva: estamos confundindo a dor de não pertencer com a dor de não ter. E, pior que isso, ao acreditarmos nessa ilusão nós mesmos estamos nos impondo esse sofrimento.
Se nós somos seres sociais, se precisamos de aprovação e de pertencimento, temos que buscar afinidades humanas que funcionem como a “cola” que mantém os grupos coesos. Nossos filhos, por exemplo, estão aprendendo desde muito cedo que precisam ter para que se sintam aceitos.
E nós, pais “zelosos”, acabamos providenciando a fantasia do momento: o brinquedo, a mochila, o tênis, o passeio do final de semana, a viagem das férias, o lanche da escola, o iPad, o iPhone e todos os adereços necessários para que nossas crianças não sejam identificadas como “criaturas estranhas” ou “seres invisíveis”. Porque mais doloroso do que não ser aceito é ver o próprio filho sendo excluído!
De alguma forma e em algum momento, passamos a achar normal sair por aí fantasiados com nossos adereços de “última geração”. Temos uma necessidade quase fisiológica de propagar nas redes sociais nossas últimas aquisições e experiências de consumo. Passamos a achar que somos a fantasia que vestimos. Estamos vivendo uma grande ilusão.
Entretanto, assim como no caso das linhas de Müller-Lyer (a imagem com as setas usadas neste artigo), o fato de saber que estamos diante de uma ilusão não faz com que ela perca seu poder de iludir.
E como a socialização pelo consumo é uma ilusão cognitiva que afeta a maioria das pessoas, é certo que em algumas situações você sentirá a dor de ser excluído por não ter, ou por não mostrar que tem.
Mas, ao mesmo tempo, despindo-se da fantasia e dos adereços, você estará criando as condições necessárias e reais para estabelecer laços verdadeiros, baseados em afinidades humanas.
Lembre-se de que você não é a fantasia! Você é uma pessoa que precisa se relacionar com outras pessoas. Não se “coisifique” e não “coisifique” as suas relações. Abraços e até a próxima.
Foto “Two masks”, Shutterstock.