Não adianta fugir, o debate que cerca a volta da inflação continua pautando o noticiário econômico. Não é pra menos, já que todos concordamos que inflação é sinônimo de perda de poder de compra, além de ser principal fator de risco para a estabilidade econômica do país. Nestes momentos, muitos governos costumam trocar os pés pelas mãos tentando criar “planos milagrosos”.
Nos últimos dias, foram dados mais alguns sinais de que o Banco Central manterá a política de ajuste na taxa de juros como instrumento chave para o controle da alta dos preços. Alguns analistas já falam que a Selic pode chegar a 16%. Vale salientar que tudo que se faz agora para combater a inflação dificilmente apresentará resultado ainda este ano. Por enquanto, é consenso que o teto da meta de inflação para 2008, de 6,5%, não será ultrapassado. Mas há o pior cenário, que mostra que a alta pode ser de 7%.
“Nas atuais circunstâncias domésticas, existe o risco de que os agentes econômicos passem a atribuir maior probabilidade de que elevações da inflação sejam persistentes, o que implicaria em redução da eficácia da política monetária” (Henrique Meirelles, presidente do BC)
O X da questão é entender até que ponto o aumento dos juros gerais da economia conterá uma inflação oriunda da alta dos preços das commodities, alçada à estratosfera financeira pela alta procura de algumas matérias primas como o petróleo, alguns minérios e alimentos – cuja busca elevada vem sendo causada pela estabilidade e crescimentos dos países emergentes.
Juro alto não significa frear o crescimento?
Acredito que a ação do BC de elevar os juros acerta em cheio o crescimento do país, limitando e encarecendo (ainda mais) o crédito e a procura interna pelos bens de consumo. E, sim, esta estratégia bate de frente com algumas indústrias, como a automobilística e a de construção civil.
Sinal de alerta, portanto, porque nos últimos anos o brasileiro absorveu com facilidade a política de crédito fácil – e mais caro -, criando o péssimo hábito nas pessoas de comprar tudo em parcelas a perder de vista. É bem verdade que o brasileiro tomou gosto pelo consumo. Mas onde fica o planejamento financeiro?
Assim, ter algo fora do seu padrão de pagamento à vista tornou-se uma oportunidade de ouro os bancos e financeiras, que encontraram uma “mina de ouro”. De acordo com essa teoria, talvez o governo tenha criado uma armadilha contra si próprio: até que ponto o brasileiro deixará de contrair novas dívidas, já que, em teoria, as dívidas são de longo prazo e com parcelas pequenas?
Será que o consumo parcelado e através do crédito reduzirá a ponto de ter algum efeito sobre a inflação? Esta é a aposta. O ideal talvez seja buscar uma ação que incentive a formação de poupança e a criação de novos hábitos financeiros, de maneira que todos entendam que o consumo indiscriminado eleva os preços e o endividamento.
Como fica a comida dos habitantes do planeta?
Na questão dos alimentos parece que qualquer ação interna será no sentido de amenizar o pior que ainda pode estar por vir, pois a tendência global ainda nos leva a crer que, com o crescimento dos países em desenvolvimento, mais pessoas terão o mínimo de condições para buscar alimentos diferenciados.
Da mesma forma que não existe nada 100% ruim – já que até das derrotas tiramos grandes lições -, quando falamos em economia também não existem situações 100% boas, já que são muitas as variáveis e suas conseqüências.
Assim, o único caminho duradouro passa pelo aumento da oferta de alimentos em nível mundial. Países como o Brasil, com grande extensão de terra para cultivo, tendem a ser os grandes motores do agronegócio assim que os países desenvolvidos compreendam que a alta dos alimentos pode se tornar assunto de segurança nacional.
E os tais subsídios? Não dá para tratar a questão dos subsídios agrícolas como uma tática nacionalista, pois, cabe ressaltar, o problema é mundial. A situação da inflação atual está muito longe da que observamos na década de 80. Aliás, alguns índices já apontam para a desaceleração em alguns setores. O dragão pode voltar a dormir (é isso que todo mundo quer), mas é grande o risco do sono ser leve. Aproveite bem o final de semana.
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Ricardo Pereira é consultor financeiro, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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