Uma semana após a agência Standard & Poor’s elevar a nota da dívida brasileira ao grau de investimento, o assunto continua a pontuar de maneira intensa a agenda econômica brasileira. Fala-se menos sobre a concessão do “investment grade” e mais sobre as especulações em torno do que muda e sobre as expectativas para o futuro de nossa economia. Natural.
O cultuado jornal britânico Financial Times recomenda cautela em seu editorial publicado na edição de hoje. O jornal lembra que receber o selo de grau de investimento não é certificado de desenvolvimento:
“Afinal de contas, as agências de classificação de risco, como a Standard & Poor´s, simplesmente avaliam a capacidade dos devedores de pagarem suas dívidas. Um grau de investimento torna a dívida do pais mais atraente para grandes fundos de pensão e seguradoras. Não é um certificado de desenvolvimento”
Parece simples e óbvio, mas em períodos de euforia acabamos nos esquecendo justamente do primordial, essencial e acabamos confundindo as coisas. Como a dívida brasileira influencia esse cenário? Por que ela é importante para a economia brasileira?
Dívida pública, o perigo real e imediato
Outra agência que também faz a classificação do risco, a Moody´s, apontou, em seu relatório anual sobre o Brasil, a dívida pública brasileira como um dos principais empecilhos para a melhora na avaliação do rating.
Pelos critérios da agência, a atual nota (Ba1) ainda classifica o país como grau especulativo, categoria que engloba nações de maior risco de crédito na comparação com países de categoria grau de investimento. A dívida pública brasileira chegou a R$ 1,150 trilhão em dezembro, o que representa 42,8% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas produzidas no país.
Entendendo a dívida pública
A dívida pública é a soma dos débitos dos governos federal, estaduais e municipais. Esse valor, chamado de dívida líquida do setor público, desconta o que os governos têm a receber de empresas privadas ou de outros governos. Quanto menor a relação entre dívida e PIB, maior é a confiança dos investidores brasileiros e estrangeiros de que o país vai honrar seus compromissos.
Os juros pagos por União, Estados, Municípios e Estatais (setor público consolidado) ao final de 2007 registrou a impressionante marca de R$ 159,532 bilhões. Apenas como forma de comparação, no mesmo período de 2007 o governo gastou R$ 40 bilhões com saúde, R$ 20 bilhões com educação e outros R$ 3,5 bilhões com a Reforma Agrária.
Os números impressionam e demonstram o tamanho do problema. Para a Moody´s, existem certas dúvidas quanto às questões fiscais brasileiras, levando seus analistas a questionarem a atitude do Brasil diante de um agravamento da crise:
“O que observamos, nos últimos anos, é que as receitas estão crescendo porque o país está avançando. No entanto, os gastos também aumentaram. O que vai acontecer com os dispêndios na eventualidade de uma crise, quando o cenário não favorecer a arrecadação? Haverá habilidade em fazer ajustes para atravessar a maré ruim?”
O fato é que o governo não parece disposto a mexer nas questões que envolvam certo esforço fiscal ou que dependam da contenção de gastos do próprio governo. Infelizmente, quase sempre que algum tipo de reforma fiscal é realizada, o que se vê é o aumento da arrecadação, seguido do aumento de impostos.
Veja o vídeo abaixo, para entender melhor a dívida pública:
Ainda sobre os efeitos do grau de investimento
O efeito mais claro, e com o qual todos os analistas parecem concordar, é a melhor expectativa de captação externa. Em outras palavras, será mais “barato” para empresas e bancos irem buscar dinheiro no exterior.
Interessante notar que podemos passar pela seguinte situação: as empresas e bancos nacionais podem tomar empréstimos no exterior, aproveitando o custo mais baixo de captação externa, e emprestar esse dinheiro ao governo brasileiro, por meio de compra de títulos da dívida pública interna, recebendo em troca uma fortuna (lembre-se das altíssimas taxas de juros do Brasil). Curioso? Ilícito?
Não existe nenhum limite ou regra que impeça esse tipo de operação. O Banco Central (BC) compra estes dólares e fornece títulos da dívida interna de acordo com o fluxo de moeda estrangeira ao país. Quando recebem seus lucros e juros em reais, os investidores podem trocá-los por maior quantidade de dólares.
Mais, com a valorização do real frente ao dólar, além de cumprir seus compromissos com o exterior, eles ainda conseguem uma considerável rentabilidade. Esse tipo de operação explica, de certo modo, como o país conseguiu formar uma grande reserva cambial ao mesmo tempo em que manteve elevada a dívida pública.
É legitimo falar que o país avançou muito nos últimos anos e que faz jus à chegada do grau de investimento. Mas, críticas construtivas são sempre positivas, é preciso ficar claro que ainda existe muito a se fazer no campo econômico. É crucial saber o tipo de terreno em que estamos pisando, especialmente quando pensamos nas possibilidades futuras do país e nos nossos investimentos pessoais.
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Ricardo Pereira é Analista Financeiro Sênior da ABET Corretora de Seguros, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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