O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi alvo de mandados de busca e apreensão, nesta quinta-feira, no âmbito de uma operação deflagrada pela Polícia Federal que investiga o monitoramento ilegal de cidadãos pelo órgão durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Diferentes endereços de Ramagem, inclusive o gabinete do parlamentar na Câmara dos Deputados, estão entre os locais que foram alvos das medidas de busca e apreensão por parte da PF, relataram à Reuters fontes com conhecimento da operação.
Segundo nota da PF, foram realizadas no total 21 medidas de busca a apreensão, além de outras medidas que incluem prisões, em Brasília, Juiz de Fora (MG), São João del Rei (MG) e Rio de Janeiro. De acordo com a corporação, sete policiais federais são alvos da ação, tendo sido afastados das suas funções.
Ramagem, que se tornou um dos maiores aliados de Bolsonaro, é o nome escolhido pelo ex-presidente para candidatar-se à prefeitura do Rio de Janeiro nas eleições deste ano.
Intimado, Ramagem não depôs à PF nesta quinta.
Procurada pela Reuters, a assessoria de imprensa dele disse que o deputado estava “se inteirando da operação ainda” e iria se posicionar posteriormente. Mais tarde, ele deu entrevista à GloboNews em que negou ter cometido qualquer irregularidade.
Agora que tive acesso ao parecer do MP e a decisão judicial o que nós vemos é uma salada de narrativas, inclusive antigas, já superadas, colocadas para imputar negativamente, criminalmente, o nome da gente sem qualquer conjunto probatório, disse ele.
Um representante de Bolsonaro não respondeu de imediato a um pedido de comentário sobre a operação.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse que a operação da PF desta quinta é “uma perseguição” devido à ligação de Ramagem com Bolsonaro. “Isso é pura perseguição e pode acabar elegendo o Ramagem com mais facilidade no Rio de Janeiro”, disse o político na plataforma de rede social X, antigo Twitter.
A ação, deflagrada com autorização do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, é a continuação da operação Última Milha, de outubro do ano passado, em que a PF investigou o uso ilegal pela Abin de um software para espionar autoridades públicas e pessoas comuns.
“As provas obtidas a partir das diligências executadas pela Polícia Federal à época indicam que o grupo criminoso criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações da Polícia Federal”, afirmou a PF.
Alvos
O despacho de Moraes apontou que a estrutura paralela montada na Abin monitorou ao menos três ministros do Supremo o próprio Moraes, Edson Fachin e Gilmar Mendes, o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e até uma promotora de Justiça que investigava o assassinato da vereadora Marielle Franco.
Na entrevista à GloboNews, Ramagem rejeitou as acusações e disse que trabalhou para organizar a agência. Ele chegou a chamar o órgão que comandou de “bagunça” pelo uso da ferramenta de geolocalização — embora tenha ressaltado que em nenhuma operação do planejamento ela foi utilizada.
Ainda assim, citou que o programa foi comprado em 2018, antes da sua gestão, mas seu uso era considerado legal por órgãos de controle.
O deputado defendeu ainda a legalidade da Abin, que está subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, de verificar situações que envolvem os filhos de Bolsonaro e que o caso envolvendo a promotora do caso Marielle se trata de um trabalho de coleta de dados natural de um órgão de inteligência, ainda que tenha considerado não haver a sua época uma “organização de procedimentos” na agência.
Ainda segundo a decisão de Moraes, a Abin também foi utilizada para “fins ilícitos” para a preparação de relatórios para a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente que foi alvo de investigações da PF.
Também foram usados os serviços da agência para interferir em investigações e fazer prova a favor de Jair Renan Bolsonaro, outro filho do ex-presidente.
Em nota, Flávio Bolsonaro disse ser mentira que a Abin tenha atuado para favorecê-lo.
“Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro”, disse.
“Minha vida foi virada do avesso por quase cinco anos e nada foi encontrado, sendo a investigação arquivada pelos tribunais superiores com teses tão somente jurídicas, conforme amplamente divulgado pela grande mídia”, reforçou ele.
Jair Renan não se manifestou num primeiro momento.
Material Apreendido
Na busca e apreensão realizada no apartamento funcional de Ramagem em Brasília, segundo uma fonte, foram recolhidos seis celulares e quatro notebooks.
Um dos telefones e um dos computadores eram da Abin, conforme a fonte, fato que causou estranheza porque Ramagem já tinha se desligado da agência há mais de um ano.
Na entrevista, o parlamentar disse que os equipamentos da Abin que estavam com ele e foram apreendidos eram antigos e que ele considerava que eram da época que estava na PF. Disse que os aparelhos não tinham acesso a qualquer sistema da Abin.
Essa investigação é uma das mais sensíveis para a corporação, mas tem contado com o respaldo da cúpula da instituição e também de Moraes, conforme essa fonte.
A ordem, conforme a fonte, é avançar até descobrir o alcance de toda o esquema de monitoramento paralelo que foi montado na agência.
Na primeira fase da operação, em outubro, foram afastados cinco servidores da Abin, incluindo Paulo Maurício Fortunato Pinto, secretário de planejamento e gestão da Abin e que ocupava o cargo de diretor de operações de inteligência durante o governo anterior.
De acordo com as investigações, o sistema de geolocalização utilizado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira.
A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos.
O software, chamado First Mile, é produzido pela empresa israelense Cognyte e permite rastrear a localização de uma pessoa a partir de dados transferidos entre seu celular e torres de telecomunicações, e seria capaz de permitir o acompanhamento de até 10 mil pessoas por 12 meses.