Há uma reclamação universal que está na boca do povo e nos grupos de WhatsApp por aí há anos: a falta de tempo. Em todas as profissões e todos os estilos de vida; com casas grandes ou pequenas para cuidar; muitos filhos, nenhum filho; jornada de trabalho extenuante ou nenhum trabalho formal. Ninguém diz ter tempo de sobra.
Ter tempo é coisa para fracassados? Será? O tempo é bastante democrático. São 24h para mim, para você, para o Papa e para todo mundo. Eu sei que há pessoas em situação muito ruim, que passam horas esperando transporte público de péssima qualidade, esperando atendimento nas filas dos hospitais e estão vulneráveis ao extremo.
Vamos falar aqui dos que podem se considerar privilegiados, pois têm tempo para ficar postando e compartilhando coisas nas redes sociais, jogar joguinhos no celular e tudo mais. Você me entendeu. Vamos refletir e tentar ir em busca do tempo perdido.
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Há poucos anos, era bem diferente. Não se trata de saudosismo, mas vamos relembrar algumas coisinhas. A cultura do “faça em casa” perdeu força nos últimos anos. Fico pasma em ver a quantidade de famílias que, durante essa pandemia, está se alimentando quase exclusivamente de comidas preparadas por outros e vendidas por delivery.
Estar em casa deveria naturalmente nos chamar a usar nossas cozinhas, descobrir receitas, engajar a criançada no processo de preparo. Sem falar no alto custo que isto representa em nosso sofrido orçamento doméstico.
Eu sei que a rotina pode não estar fácil, com trabalho em casa, aulas em casa e a confusão instaurada. Quero só que você reflita se faz sentido. Temos muitas facilidades em relação aos nossos antepassados, mas tempo que é bom, não sobra! Já percebeu que ninguém mais dá banho no próprio cachorro? É mesmo por falta de tempo?
Nossas mães cortavam nosso cabelo em casa. Não ficava tão ruim e era uma bela economia. As pessoas de antigamente não só cozinhavam em casa como cortavam lenha, faziam o fogo, cuidavam de crianças, andavam a pé, trabalhavam fora, plantavam em uma horta, cuidavam de animais e por aí vai.
Recebiam visitas, que chegavam sem avisar! Visitas essas que ainda ficavam para almoçar; às vezes ficavam meses hospedadas sem pagar nada. Um absurdo nos dias de hoje, já que somos tão ocupados com nossos smartphones e notificações. Como poderíamos dar atenção ainda a uma visita inesperada?
Porém, hoje, nos queixamos de uma solidão intensa, dolorida. Nos ressentimos de não ter mais amizades e relacionamentos profundos e duradouros. Queremos ter em quem confiar, mas não temos tempo. Nunca temos tempo. Somos o coelho da Alice no país das maravilhas. Correndo de lá pra cá. No lugar do relógio, você sabe bem o que carregamos e que tem consumido nosso tempo.
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O Alberto Villas tem um livro chamado “Onde foi parar nosso tempo?” no qual me inspirei para escrever esse texto. É um livro simples, divertido, leve e lindamente ilustrado. Relembra os tempos passados não com saudosismo bobo, coisa que eu também não gosto, mas como um convite à reflexão. Será que vivemos mesmo falta de tempo?
Onde foi parar o tempo que usávamos para lavar, secar e passar fraldas de pano? Onde foi parar o tempo que usávamos para achar cidades em mapas? Para cozinhar em fogões à lenha, para esquentar água para os banhos, para ir até a locadora de vídeos e depois ainda rebobinar a fita?
Onde foi parar o tempo para ferver o leite? Para limpar o leite que fervia quando virávamos as costas? Conversar com os vizinhos, receber as tais visitas inesperadas? Lavar roupas sem máquina, passar roupas, engomar algumas, como nossas avós faziam? Fazer pão, cozinhar várias refeições ao dia, buscar água no poço? Pensa no tempo que tudo isso consumia.
Nada disso mais é necessário (que bom), mas, cadê o tempo? Preenchemos esse tempo com redes sociais, joguinhos, conversinhas com quem está longe (muitas vezes esnobando quem está ao nosso lado). Nos empobrecemos com polêmicas inúteis, correntes, alertas, vídeos de gatinhos. O tempo não para.
A parte boa? Continuamos senhores e senhoras das nossas decisões, a todo momento.
Foto: Pexels