Em tese, os mercados acionários seguem os indicadores econômicos e as notícias das empresas que compõem os principais benchmarks. Na teoria. A prática mostra que as bolsas têm seus meios de contrariar a lógica se movendo em sentido contrário aos dos fundamentos econômicos e corporativos.
Quando os investidores se conscientizam de que a situação econômica é grave e requer sucessivas intervenções das autoridades no sentido de reverter essa condição, é possível encontrar movimentos extremamente curiosos.
O leitor minimamente interessado no que se passa no mundo sabe que os Estados Unidos estão se recuperando de forma lenta e dolorosa da crise de 2008. A Europa tem grandes desafios pela frente e o pior ainda não aconteceu porque a Ângela Merkel teme uma tragédia de proporções inimagináveis caso a problemática e diminuta Grécia deixe a Zona do Euro. Por fim, a China dá claros sinais de desaceleração.
O cenário colocado indica que intervenções das autoridades monetárias, especialmente nas regiões mais problemáticas – e que são também as grandes impulsionadoras do crescimento global – são muito bem vindas.
Porém, no caso americano o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, relutou bastante em agir com o pretexto de que, apesar de lenta, havia uma recuperação econômica em curso nos Estados Unidos. Assim, como persuadi-lo a agir?
Os investidores passaram a agir às avessas, torcendo para que os indicadores econômicos venham abaixo do esperado pelo consenso do mercado no sentido de fortalecer o argumento de que é preciso agir imediatamente.
Caso um resultado de ordem econômica supere positivamente as expectativas, se torna mais difícil argumentar sobre o caráter emergencial da intervenção. Nesse caso, o Federal Reserve tem a seu favor o discurso de que, apesar de vagarosa, a recuperação está ocorrendo.
Seguindo essa lógica invertida, foi possível ver em junho e julho deste ano – quando a crise européia alcançou seu ápice e a pressão sobre o Federal Reserve no sentido de estimular a economia americana atingiu níveis insuportáveis – os mercados acionários apresentando rallies fantásticos.
A motivação? Quanto pior, melhor, porque assim a probabilidade de uma terceira rodada de afrouxamento monetário mediante compra massiva de títulos lastreados em hipotecas era consideravelmente maior.
O inverso também ocorria: se algum indicador contrariasse os investidores, sinalizando uma recuperação de algum setor da economia americana, o que se via era um verdadeiro selloff nas bolsas em todo mundo com o fortalecimento do argumento do Federal Reserve que os Estados Unidos estavam realmente se recuperando.
Essa lógica “de cabeça pra baixo” perdurou por alguns meses de 2012 até o Banco Central daquele país finalmente ceder às pressões dos mercados e anunciar a terceira rodada do Quantitative Easing.
Vale lembrar que as bolsas de valores têm vida própria – dando de ombros, freqüentemente, para a economia considerada real. O valor que os mercados atribuem aos eventos no tempo é bastante curioso: para os investidores, um evento positivo que acontecerá em cinco anos muitas vezes tem mais relevância para a tomada de decisão de investimento hoje do que um fato negativo divulgado há duas horas.
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