O Brasil afastou potencialmente a possibilidade de uma recessão técnica neste ano depois de um resultado positivo no terceiro trimestre levar a revisões para cima nas projeções para a atividade, mas, segundo especialistas, a tendência é que feche este ano e abra 2024 flertando com a estagnação.
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil registrou expansão de 0,1% no terceiro trimestre na comparação com os três meses anteriores, em um resultado que contrariou a expectativa de economistas em pesquisa da Reuters de uma queda de 0,2%, mas que marcou o resultado mais fraco desde o final de 2022.
“Por enquanto, no curto prazo, (esse resultado) tirou o bode da sala da recessão técnica em 2023, é uma boa noticia. Mas a economia termina (2023) e começa (2024) de lado”, afirmou Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, que revisou sua projeção de crescimento do PIB este ano de 2,8% para 3,0% e vê desaceleração a 1,9% em 2024.
Uma recessão técnica é caracterizada por dois trimestres consecutivos de contração econômica.
Leal ressaltou que o resultado do terceiro trimestre deixa claro que a expansão neste ano está sendo muito calcada no resultado da agricultura e, quando esse fator é retirado da conta, a economia mostra estagnação.
Flavio Serrano, economista-chefe do Banco Bmg, também vê a economia andando de lado nos próximos trimestres, ainda que o resultado positivo do terceiro deva levá-lo a revisar sua estimativa de crescimento do PIB este ano de 2,9% para 3,0%.
Ele atribui a estagnação à exaustão do ciclo de recuperação com a reabertura da economia pós-pandemia e aos efeitos defasados da política monetária restritiva.
No entanto, lembra que o primeiro trimestre de 2024 pode ter um impacto positivo do desembolso dos precatórios — dívidas reconhecidas pela União em razão de sentenças judiciais — no fim deste ano.
O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o governo a regularizar o pagamento de estoque de precatórios sem gerar impacto sobre regras fiscais. Estimativas preliminares da equipe econômica apontavam que o valor a ser pago neste ano por meio do instrumento deve ficar em aproximadamente 95 bilhões de reais.
“Uma parte disso pode virar consumo e o primeiro trimestre surpreender para cima. (Esse valor) pode ser usado para pagamento de dívidas e para consumo, que pode até se estender para o segundo trimestre, mas não dura até o terceiro e quarto trimestres. Os efeitos devem ficar concentrados no primeiro semestre”, disse Serrano.
Um ponto destacado pelos especialistas foi a resiliência da demanda no terceiro trimestre deste ano, evidenciada pelo aumento de 1,1% do consumo das famílias e também pela alta de 0,6% dos serviços, pelo lado da oferta.
Entretanto, a avaliação é que esse ímpeto, reflexo em grande parte do mercado de trabalho aquecido, não tende a se estender muito devido às restrições de crédito.
“Temos um PIB crescendo por demanda, mas a tendência é de grande desaceleração porque o aperto monetário ainda deve exercer mais efeito na economia”, avaliou Helena Veronese, economista-chefe da B.Side.
Segundo os especialistas, a economia só deve ensaiar uma recuperação mais robusta no segundo semestre de 2024, quando haverá maior impacto dos cortes de juros iniciados pelo Banco Central que desde agosto tirou a taxa básica de Selic de 13,75% para o nível atual de 12,25%.
“O ano que vem vai ser bastante influenciado pela redução de juros, o que me leva a crer que, apesar de um crescimento em 2024 numericamente menor do que neste ano, a qualidade vai ser melhor”, destacou Leal, da G5 Partners.
Outro ponto de atenção para 2024 é o andamento das reformas. Embora as mudanças trazidas pela reforma tributária tenham um impacto esperado somente no longo prazo, ela tende a melhorar a confiança ao se somar a questões como manutenção da meta de inflação em 3% em período contínuo e a reafirmação do governo da busca pelo déficit zero.
“É preciso estar atento a como a reforma tributária vai sair da mesa, como vai ser aprovada. O empresário está receoso, não se sabe quais as exceções (na reforma tributária)”, disse Julio Hegedus, economista da Mirae Asset, que calcula uma expansão do PIB de 2,8% este ano, projeção revisada de 2,6% antes.
A proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária retornou à Câmara dos Deputados depois que o Senado alterou o texto que havia sido aprovado pelos deputados.
A expectativa da equipe econômica comandada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é que as mudanças tributárias para o consumo sejam promulgadas ainda este ano.
“O investimento não deslancha devido ao momento de transição das medidas econômicas. A economia deve continuar rodando de lado até haver definição da agenda fiscal”, completou Hegedus.