Você já pensou em fazer terapia online? Será que escolher um psicólogo pela internet pode ter suas vantagens? E realizar a consulta através de uma plataforma? No Dinheirama, acompanhamos diariamente as diversas mudanças que a tecnologia tem causado na forma como nos relacionamos e temos acesso a diversos serviços. Por isso, acreditamos que vale a pena conhecer o que anda sendo oferecido no mercado, entender prós e contras e estar aberto às muitas possibilidades deste mundo novo.
Conversamos desta vez com a Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude, uma plataforma que conecta de forma simples e prática psicólogos e pacientes.
“Percebi que com o avanço da tecnologia seria possível ampliar o acesso das pessoas a profissionais de saúde. Estudando a área, percebi que tínhamos uma oportunidade em saúde mental, uma vez que atendimentos online já eram regulamentados na psicologia, embora ainda tivessem limitações. Quando olhamos para outros países, que já desenvolvem trabalhos com terapia online, os resultados são super animadores. O Hospital John Hopkins, por exemplo, possui estudos com populações diferentes: veteranos de guerra, pacientes com síndrome do pânico, agorafobia e obesos mórbidos. Foi assim, que juntamente com o Everton, meu amigo e sócio, criei a Vittude, em 2016”, conta.
De onde veio a ideia de criar uma plataforma para conectar psicólogos e pacientes?
Tatiana Pimenta: A ideia de criar a Vittude surgiu de um incômodo particular. Eu faço terapia há alguns anos e no passado encontrei uma dificuldade muito grande em encontrar um profissional que pudesse me ajudar. Meu primeiro passo foi recorrer ao guia do plano de saúde, o que é uma verdadeira frustração. Decidi pesquisar pelos psicólogos mais próximos do endereço da minha casa. Para minha decepção fui em três super inexperientes. Nenhuma delas conseguiu criar um vínculo e me ajudar com as minhas questões. Percebi que esse percurso para encontrar um psicólogo que ajude com nossas demandas é realmente complexo. Depois da terceira tentativa frustrada, resolvi pedir indicação a amigos. Acabei recebendo a indicação do meu primeiro psicólogo, bem longe da minha casa, cerca de 10km em São Paulo, o que já é super longe para uma cidade como a nossa. Além dos 50 minutos de consulta, ficava pelo menos mais 2h no trânsito entre ida e volta, dependendo do dia.
Quando criei a Vittude, pensei bastante em coisas que sentia falta e não achava nos catálogos dos planos: currículo do profissional, qual área de atuação e se o forte daquele psicólogo era o que eu estava buscando, e principalmente endereço, agenda e valor da consulta. Ter que ligar para o psicólogo, na maioria das vezes não ser atendida, e esperar por respostas das dúvidas iniciais era muito irritante. Hoje nossos pacientes conseguem ver todas essas informações com um clique: basta digitar o endereço e alguma demanda e clicar em encontrar meu psicólogo. Caso ele queira refinar a busca, pode usar um filtro com opções avançadas, podendo inclusive escolher a abordagem terapêutica do psicólogo.
Fazer terapia online funciona tanto quanto fazer presencial? Há diferenciais?
T.P.: No Brasil temos poucos estudos acadêmicos sobre o tema. Quando olhamos para outros países, que já desenvolvem trabalhos com terapia online, os resultados são super animadores. O Hospital John Hopkins, por exemplo, possui estudos com populações diferentes: veteranos de guerra, pacientes com síndrome do pânico, agorafobia e obesos mórbidos. Nos casos estudados, o resultado para atendimento online foi mais eficaz do que para o atendimento presencial.
Temos um super caso de sucesso na Finlândia. O país sofria há anos com números muito altos de depressão, principalmente em função do clima muito gelado e da quase ausência de sol ao longo do ano. Eles possuem um serviço chamado Mental Health Hub, que é usado por praticamente todos os hospitais. O trabalho começou cerca de 11 anos atrás no Helsinki University Central hospital. Pessoas que moravam em áreas rurais e em áreas praticamente congeladas, não conseguiam acessar profissionais de saúde mental. Ao final de 2016, o número de usuários do Hub já era superior a 545 mil pessoas, o que representava cerca de 10% da população do país sendo atendida online.
Aqui, no Brasil, os números de IBGE e OMS apontam para mais de 20% de pessoas com algum diagnóstico de transtorno mental. No entanto, menos de 16% das pessoas diagnosticadas fazem terapia. Ou seja, estima-se que 3% dos brasileiros fazem terapia. Em partes, isso se deve à dificuldade de acesso que temos a profissionais de psicologia. No Brasil temos mais de 5 mil municípios e estima-se que 50% não tenham nenhum psicólogo, nem mesmo na área pública. Algumas semanas atrás a Folha de São Paulo divulgou uma matéria sobre terapia online que falava que no estado do Amazonas inteiro existem apenas 2 ambulatórios de saúde mental.
Pode contar um pouquinho sobre sua formação e carreira até chegar aqui?
T.P.: Trabalhei por cerca de quinze anos nas indústrias de construção civil e florestal. Eu sou engenheira civil de formação, me formei na Universidade Estadual de Londrina. Fiz um MBA em Finanças pelo IBMEC RJ e um MBA Executivo pelo Insper. Atuei em empresas nacionais e multinacionais de grande porte. Comecei minha carreira como trainee no Grupo Votorantim. Morei em São Paulo, Rio de Janeiro, Santos e Salvador.
No nordeste fui Head de operações e vendas no braço de concreto usinado da Votorantim Cimentos. Atuei também na Cimpor, onde fui responsável pela operação de 4 unidades operacionais. Em 2013 fui contratada pela Hilti do Brasil, com um projeto de ser preparada para uma posição de diretoria. No entanto, no início de 2015 a empresa começou a sofrer muito no mercado brasileiro, primeiramente com problemas de câmbio. O avanço da operação Lava Jato e, consequentemente, a crise econômica e política, afetaram boa parte dos grandes clientes.
A minha saída da Hilti aconteceu no mesmo período que passei por problemas de saúde na família. Na época decidi não procurar emprego e dedicar um tempo aos meus pais. Quando os problemas de saúde foram resolvidos, tirei alguns dias de férias para pensar na vida, corri uma maratona e ao final desse período compreendi que era hora de empreender e montar algo meu, com propósito, com a minha cara e meus valores.
Como funciona a Vittude para os pacientes e profissionais?
T.P.: A Vittude nasceu como uma plataforma para conectar psicólogos e pessoas que desejam fazer terapia. A empresa foi fundada em maio de 2016 e a primeira coisa que colocamos no ar foi um blog, no qual publicávamos semanalmente artigos sobre saúde mental, psicologia e comportamento humano. Desde o começo entendemos que esse era um mercado que buscava informação antes de tomar uma decisão de compra (o agendamento da consulta em si). Durante nossas pesquisas, ficou muito claro para nós que as pessoas não estavam procurando por psicólogos. Elas queriam saber como curar a depressão, como lidar com os sintomas de ansiedade, como se livrar do estresse, e assim por diante. Hoje, se você digitar termos como ansiedade, sintomas de depressão e estresse, encontrará a Vittude na primeira página do Google.
Atualmente a Vittude tem duas modalidades de atendimento à disposição dos pacientes: o atendimento presencial, para quem prefere e pode ir até o consultório de um psicólogo, e o atendimento online, usado principalmente por pessoas que moram fora do país ou em cidades do interior do Brasil. O nosso público do online é formado por brasileiros expatriados, pessoas que moram em países de língua portuguesa como Angola, Cabo Verde, Moçambique e Portugal, pessoas que estão em cidades onde não encontram psicólogos e também por pessoas em viagens (exemplo tripulações de empresas aéreas). Há ainda uma parcela de pessoas que possuem a agenda muito corrida e que optam pela comodidade do atendimento online, em que não precisam sair de casa e enfrentar o trânsito de cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro.
Você saberia dizer quantos atendimentos em média são feitos através da plataforma mensalmente?
T.P.: Mensalmente realizamos mais de 1000 atendimentos, sendo que o volume de novos agendamentos tem crescido a um ritmo superior a 30% ao mês.
Agora vocês também lançaram o Vittude Corporate, voltado a empresas, certo? Pode contar um pouco mais sobre este produto?
T.P.: Isso mesmo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), dois em cada dez brasileiros sofrem com algum tipo de transtorno mental, sendo os mais prevalentes os transtornos de ansiedade e a depressão. No ambiente corporativo, estes percentuais não são diferentes. Estima-se que 20% dos funcionários ativos estejam trabalhando sobre forte pressão emocional, comprometendo a saúde física e psíquica, resultando em prejuízos relacionados à queda na produtividade, absenteísmo e turn over elevado. Além disso, os custos com planos de saúde não param de subir.
O produto foi desenvolvido para ajudar as empresas a lidar com essas questões. O serviço tem modelo semelhante a um plano de saúde. Ele funciona como um benefício corporativo de saúde e bem-estar, no qual as empresas pagam um valor fixo mensal por colaborador para que eles tenham acesso, por um valor reduzido, à rede de psicólogos Vittude. As consultas podem ser realizadas de forma presencial ou online, possibilitando que funcionários que moram em cidades menores ou em outros países também usem o serviço. Também existe uma segunda alternativa, que é a oportunidade da empresa comprar créditos de terapia para os colaboradores.
Empresas deveriam investir mais no equilíbrio e bem-estar dos funcionários? Acredita que uma plataforma online auxilia de alguma forma neste trabalho?
T.P.: Com certeza absoluta. Até 2020 a depressão será a doença mais incapacitante do mundo, de acordo com a OMS. Uma plataforma digital completa, como a Vittude, permite que os funcionários escolham como querem ser atendidos e por quem querem ser atendidos em apenas 3 cliques. Eles têm à sua disposição toda a experiência e formação acadêmica do psicólogo, avaliação de outros usuários e para as consultas online, podem usar o WhatsApp como instrumento para esclarecimento de dúvidas antes de efetuar o primeiro agendamento.
A terapia online tem ajudado a derrubar algumas barreiras, uma vez que as pessoas sentem-se mais confortáveis para conversar e falar sobre suas questões quando estão no conforto da sua casa. Por não estarem em um consultório tradicional, também acabam vendo na psicoterapia uma ferramenta de autoconhecimento e de melhoria pessoal e profissional, ao invés de pensarem somente em doenças.
Não é uma questão de apenas investir em um novo benefício e, sim, proteger o investimento feito em pessoas e capital intelectual ao longo de anos. Na maioria das vezes, questões relacionadas à saúde psíquica começam a aparecer após anos de trabalho. Em geral, a prevalência aumenta em cargos e posições de maiores responsabilidades, com a redução dos tempos para tomadas de decisão e maior pressão por resultados. Afetando, desta forma, colaboradores de confiança e de grande valor para a companhia, cujo afastamento ou perda, por vezes, pode ser incalculável. De acordo com a OMS, para cada U$1,00 investido na saúde mental dos colaboradores, U$4 são retornados para a organização em produtividade e capacidade de trabalho.
Quais são as perspectivas para a Vittude pensando em médio prazo? Acredita que cada vez mais as pessoas tendem a optar pelo online como uma forma de ganhar tempo ou é possível uma convivência equilibrada entre presencial e online?
T.P.: O atendimento online é a modalidade que mais cresce atualmente, no entanto a maior procura ainda é por atendimento presencial. Particularmente acredito que o atendimento presencial sempre terá demanda e espaço. O atendimento online funciona muito bem para a grande maioria dos casos, mas não cobre todas as demandas. Quando pensamos em atendimento infantil, por exemplo, ele é praticamente inviável. Pois, na grande maioria dos casos, o psicólogo necessita interagir, brincar, desenhar e interagir fisicamente com a criança. O online é fundamental quando falamos de acesso. 89% dos clientes da Vittude informam que nunca tinham feito terapia antes.
Se pensarmos que hoje metade dos municípios não têm psicólogos, estamos falando de pessoas que nunca fizeram terapia simplesmente pela não existência desse profissional em sua cidade. Com o surgimento da terapia online, essas pessoas passam a ter acesso a algo que antes nem sequer conheciam. Quando falamos de expatriados, é a mesma coisa. Outro dia conversava com duas clientes nossas, uma no Japão e outra no Reino Unido. As duas fora do Brasil há mais de 4 anos. O que as duas tinham em comum? Estavam há anos pensando em fazer terapia e não encontravam psicólogos para atendê-las. Uma chegou a fazer terapia em inglês, mas não se adaptou. Fazer terapia em uma língua que não é a sua língua materna é extremamente difícil, há palavras que só existem no nosso vocabulário, como por exemplo a saudade. Elas nos conheceram através de matérias publicadas na imprensa.
Podemos fazer até uma analogia com o car sharing. Antigamente as pessoas não andavam muito de táxi, pois não fazia sentido. Hoje com o surgimento do Uber, Cabify, LadyDriver e 99, muitas pessoas venderam seus carros e passaram a usar diariamente os aplicativos. Eu mesma optei por não ter mais carro há quase 3 anos. Eu não era cliente das empresas de táxi, mas passei a usar os aplicativos por ser mais prático, cômodo e mais barato também.