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Dinheirama Entrevista: Fábio Portela, Editor do blog “O Pequeno Investidor”

by Conrado Navarro
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Dinheirama Entrevista: Fábio Portela, Editor do blog “O Pequeno Investidor”Educação financeira é muito mais que escolher a melhor planilha de orçamento e fazer investimentos indicados pelo gerente bancário. Uma das alternativas de investimento frequentemente esquecidas pelos investidores iniciantes é a bolsa de valores, tida como uma aplicação difícil e extremamente arriscada.

Para falar mais sobre a experiência do pequeno investidor, eu conversei com o amigo Fábio Portela, que mantém o fantástico blog “O Pequeno Investidor”. Fábio é graduado em Direito e mestre em Direito e em Filosofia, pela Universidade de Brasília. Atualmente, é doutorando em Direito pela mesma instituição e Visiting Researcher pela Harvard Law School. Profissionalmente, atua como servidor público.

Suas pesquisas acadêmicas sempre estiveram relativamente alinhadas às relações entre Direito e Economia e, por isso, o interesse pelo mundo dos investimentos foi um passo natural. Desde a graduação, Fábio estuda bastante teoria dos jogos e, mais recentemente, passou a pesquisar as relações entre a teoria da evolução e o mundo social, o que despertou seu interesse pela economia comportamental (behavioral economics) e suas relações com a teoria moral e jurídica.

Confira como foi nossa conversa:

Fábio, conte-nos um pouco de sua história enquanto investidor. Como e por que razão começou a investir? Como o tema despertou seu interesse e como foram os primeiros contatos com essa questão?

Fábio Portela: Conrado, comecei a investir em 2006, assim que arrumei meu primeiro emprego como professor de uma faculdade particular em Brasília. Estava começando meu mestrado e, por conta das exigências do mundo acadêmico, preferi começar com um emprego que demandasse dedicação parcial, possibilitando assim tempo para estudar.

Começar a investir foi um caminho natural, pois cresci com meus pais dando o exemplo. Em casa, meu pai e minha mãe estabeleceram uma divisão de tarefas bastante inteligente. O salário dele era destinado à construção do patrimônio e o dela às contas da casa.

Permita-me um parêntesis. Não concordo inteiramente com a ideia de dividir as contas dessa maneira, porque acredito que ambos devem fazer um patrimônio próprio, independente das contas do casal.

Por conta dessa atitude, às vezes me acusam de ver o casamento como um egoísmo de duas pessoas com projetos separados, mas não é isso. É que, estando casados, os dois cônjuges têm uma vida em comum, mas também têm sua individualidade, projetos próprios que desejam realizar.

Se apenas um tem o controle de todo o patrimônio, o outro fica refém das decisões do primeiro e às vezes não se sente à vontade nem para “dar um pitaco” sobre as finanças da família. Quando os dois têm investimentos próprios, ambos podem compartilhar melhor suas experiências e a decisão a respeito do destino do dinheiro da família.

Interessante a sua história e o fato de ter tido o exemplo como grande motivador. Como foi o começo nos investimentos?

F. P.: Comecei a trabalhar em 2006 e, por conta do exemplo de casa – nunca vi meu pai terminar o mês sem fechar as contas da família em um livro-caixa que ele utilizava – sempre pensei em investir uma parte do que ganhava.

Meu pai mesmo sempre me disse coisas como “viva sempre com menos do que ganha” e constantemente o via falando de investimentos. Ele gostava muito de investimentos imobiliários e de comprar terrenos ou fazendas.

Mas isso me deu uma outra lição, também: imóveis dão muito trabalho. Veja a situação dele: comprou terrenos, casas e apartamentos em vários lugares do país. Em cada lugar onde trabalhou, comprou alguma coisinha. Uma atitude invejável, mas que deu muito trabalho a ele e à família e com um retorno que fica até difícil de calcular. Acho que isso explica um pouco de minha impaciência com investimentos imobiliários.

Com isso, a alternativa “óbvia” foi o mercado financeiro. Desde o início, vi o mercado de ações como uma alternativa, mas também me interessei pelo Tesouro Direto. Ao ir para o trabalho, eu ouvia bastante as colunas do Mauro Halfeld e da Mara Luquet na CBN, onde as duas aplicações eram sempre mencionadas. Pouco depois, conheci o Dinheirama, onde aprendi bastante também.

No Tesouro Direto não tive muitos problemas, mas na bolsa o início foi meio traumático. Como eu não tinha qualquer conhecimento, acabei me guiando de início pelas “notícias” dos grandes portais. Mas logo vi que aquilo não tinha futuro.

Pode explicar as razões que o fizeram abandonar o noticiário como fonte para suas decisões de investimentos?

F. P.: Em um dia, a ação de uma empresa era excelente. Dois dias depois, saía um relatório dizendo que outra ação era melhor que aquela. Em fóruns, a análise técnica de alguns indicava que era o momento de comprar uma ação e a de outros dizia que era melhor vender aquela mesma ação.

Como acadêmico, comecei a procurar literatura mais especializada sobre análise técnica. Mas aquilo tudo sempre me pareceu um tanto esotérico, parecido mesmo com o trabalho de fazer um mapa astral ou de leitura de mãos.

Apesar da matemática da coisa ser bastante sofisticada, eu não via qualquer relação com a atividade das empresas. Não me parecia fazer sentido comprar uma ação que rompeu uma resistência ou vender porque ela rompeu um suporte. Na verdade, isso sempre me pareceu uma indicação de comprar na alta e vender na baixa.

De início, resolvi fazer o que essa análise técnica – ainda que rudimentar – indicava e comecei a ver que estava tendo prejuízo. O dinheiro era pouco, na época, porque eu diversificava e ainda não tinha economizado muito, mas eu fiquei com o pé atrás.

Logo no início de minha carreira de investidor, surgiram boatos de uma crise na economia chinesa e que ela cresceria muito pouco (imagine, em 2006!!!). Com isso, houve um pequeno recuo no mercado, próximo a 10% de queda. E isso me assustou. Tirei o dinheiro e realizei prejuízo.

Veja as bobagens que a gente faz. A China nunca parou de crescer de lá pra cá, mas isso foi motivo para me assustar há sete anos. Faz parte do aprendizado.

A bolsa de valores ainda é um “bicho de sete cabeças” para muitos investidores, especialmente aqueles que querem começar. Quais foram seus principais erros ao iniciar no mercado de ações e como evitá-los?

F. P.: Meu principal erro no mercado de ações foi prestar atenção à imprensa especializada ou analistas de mercado. Foi isso que me levou a cometer esse erro em 2006. O Ibovespa estava na faixa dos 35.000 pontos e eu vendi ações por ouvir esses ruídos e acreditar em análise técnica.

Veja: não estou falando que análise técnica não funciona. Ela só me parece esotérica demais. Pode funcionar para alguns, mas não deu certo para mim. E por que não deu certo? Porque eu não sabia ainda para que eu queria o dinheiro que estava investindo. E esse foi meu segundo erro: eu não conhecia o meu perfil de investimento.

Parei para refletir e percebi o seguinte: eu era muito novo. Caso nada desse errado e eu tivesse uma doença crônica ou uma morte súbita, eu teria ainda décadas de investimento pela frente. Por que eu estava preocupado com notícias sobre a economia chinesa em um ano específico, se o mundo ainda teria muito a crescer?

Essa questão de observar os acontecimentos econômicos e um pouco de história faz parte do cotidiano do investidor inteligente, não concorda? Não falo de notícias, mas de um olhar observador.

F. P.: Pensei no seguinte, uma ideia que eu tenho até hoje. Mesmo que a China pare de crescer, ainda há muitos quinhões a serem desenvolvidos no planeta. Pegue a América Central, a América do Sul. Ou a África inteira e boa parte da Ásia. A China, mesmo: a maior parte da população chinesa não entrou no mercado consumidor ainda. A China está vivendo sua Revolução Industrial.

A Inglaterra começou assim, nos séculos XVIII e XIX. A população pobre não era consumidora, era apenas classe trabalhadora. Mas acredito que chega um momento em que a desigualdade de renda se torna tão abusiva que, de um lado, revoltas acontecem e, por outro lado, os industriais começam a perceber que se continuarem a pagar salários miseráveis, estarão deixando de atender a um grande mercado consumidor.

Isso já está começando a acontecer na China. O crescimento econômico tem levado à ampliação de uma classe alta e média com poder aquisitivo que não tinha antes. E acredito que essa tendência vai se expandir mais, não apenas lá, mas em todo o mundo. As empresas brasileiras já estão investindo nisso.

Grendene tem fábrica na China; Marcopolo e Vale investem lá e na África. Em algumas décadas, a África se desenvolverá. Não tem jeito! Acredito que vivemos hoje em um mundo melhor do que era há 50 anos, há 100 anos ou há 500 anos. Há muitos românticos que acreditam nas maravilhas do passado medieval. Eu não.

Na Idade Média se vivia 30 anos, não havia medicina e o trabalhador não recebia salário. Recebia uma parte da produção e a maior parte tinha que entregar ao senhor feudal em troca de segurança. Você gostaria de viver nessas condições? Eu não.

Mesmo o pobre de hoje, por mais que ainda sofra bastante, tem acesso a hospital público, a programas de distribuição de renda que, acredito, lhe dão melhores condições de vida do que a dos pobres na Idade Média.

Essa sua visão mais abrangente foi importante na definição de sua estratégia de investimentos?

F. P.: Essa avaliação me deu uma perspectiva de longo prazo. Acredito que, mesmo com os solavancos dos ciclos econômicos, estaremos em situação melhor daqui a 30, 50 anos. Outro dia vi um documentário que mostrou uma impressora capaz de imprimir células orgânicas e órgãos inteiros e impressoras 3D capazes de imprimir um carro ou um prédio.

Isso tudo vai se refletir na economia, para o bem e para o mal. Maior produtividade. Mais lucro para muitas empresas. E mais plástico vai ser necessário (e outros materiais que nem foram inventados ainda). E mais combustível, mais energia, mais aço, mais ferro, mais brinquedos, mais software, mais cerveja, mais refrigerante, mais suco, mais carne. Mesmo que o Brasil pare de apresentar crescimento populacional, exportaremos grande parte de nossa produção.

Em 2006, depois de abandonar temporariamente o mercado de ações, comecei a estudar abordagens compatíveis com o longo prazo. Conheci, por meio de um grande amigo do ensino fundamental, Marcelo Trindade, estratégias de investidores como Peter Lynch, Warren Buffett e Benjamin Graham, entre outros.

Conheci o termo “Buy and Hold” e a análise fundamentalista. Procurando por comunidades que adotassem essa estratégia, conheci uma excelente comunidade no antigo Orkut, chamada “Buy and Hold”, onde aprendi bastante e fiz alguns amigos que muito me ensinaram, como Davi Lamas e André Franco.

Conheci a história de Lírio Parisotto, Décio Bazin e Luiz Barsi Filho. Tudo isso começou a fazer sentido para mim. Afinal, eram análises que partiam da premissa de que uma ação é um pedaço de uma empresa e seu preço reflete o que acontece com aquela empresa. O que acontece de fato, e não o que acontece por causa de expectativas do mercado. Na verdade, quando o fato mostra uma coisa e o mercado outra, podem surgir oportunidades interessantes.

Como foi vivenciar a crise de 2008? Você seguiu investindo?

F. P.: Em maio de 2008, provavelmente no pior momento para investir dos últimos 20 anos, voltei ao mercado. Mas voltei com a premissa de investir para o longo prazo. De comprar ações todo mês, mantendo dinheiro na renda fixa para as emergências. Daí até outubro, vivi um verdadeiro teste: vi o Ibovespa cair de 74 mil pontos a 29 mil pontos praticamente em linha reta. Mas mantive meu rumo.

Em determinados momentos da crise, vi que realmente nesses momentos surgem grandes oportunidades. Pude comprar ações do Banrisul a R$ 5,00 (hoje está em torno de R$ 15,00); da Marcopolo a R$ 2,50 (hoje, está em R$ 13,00); da Ambev a um preço que, hoje, seria próximo a R$ 20,00, antes dos desdobramentos que houve (hoje, estão a R$ 85!).

Em resumo: o que eu fiz de errado lá atrás? Ouvi os ruídos do dia a dia e defini estratégia de curto prazo. Como os evitei isso dali pra frente? Estudando e adotando uma abordagem de longo prazo. Leio os balanços, vejo o quanto a empresa tem em caixa, se a atividade operacional dela está melhorando ao longo dos anos.

Além disso, me preocupo com a segurança da empresa, não com boatos de que ela será adquirida por outra empresa ou de que ela vai adotar uma grande mudança ou apresentar grandes resultados no futuro. Isso me fez evitar, por exemplo, investir nas empresas “X”.

O que dizer para aqueles investidores que querem entrar na bolsa com o objetivo de “ficarem ricos”, de preferência de forma rápida e garantida? Conte-nos um pouco de sua estratégia e de como forma seu patrimônio em ações.

F. P.: Existem formas de ficar rico rapidamente, mas todas elas envolvem a sorte ou atividades ilegais. Alguém poderia ter comprado ações da Mundial por R$ 0,50 em 2011 e vendido por R$ 2,50 em três meses. Se tivesse comprado R$ 300.000 em ações, teria feito R$ 1.500.000 em 3 meses. Poderia? Claro! Mas seria depender da sorte.

Alguém poderia ter ficado muito rico vendendo opções a descoberto. Mas poderia também ter ficado muito pobre. Ou poderia ter ganho muito dinheiro com um bilhete da “Mega Sena da Virada”, ganhando sozinho R$ 150 milhões. Poderia ter ficado muito rico traficando cocaína ou lavando dinheiro, mas são atividades ilícitas.

Enfim, ficar rico rápido demais é possível, não nego. Mas é uma possibilidade que vem acompanhada de dois resultados, com probabilidades muito maiores: o risco de perder tudo ou o de não ganhar nada.

Prefiro não depender de nada disso. Tenho um senso ético derivado de minha formação jurídica que me impede de cometer atividades ilícitas. Sou muito preocupado com isso. Às vezes, pago até mais impostos do que devo só para que não se levante suspeitas contra mim. Também não gosto de depender da sorte. A sorte é pura aleatoriedade. Logo, prefiro ter uma estratégia.

Ficar rico rápido é possível, mas improvável. Contar a história de um conhecido que ganhou na Mega Sena não muda isso, porque em eventos aleatórios dos quais participam milhões de pessoas as chances de alguém ganhar são altas, mas a probabilidade de um apostador específico ganhar é extremamente baixa. É mais provável morrer eletrocutado por um raio do que ganhar na Mega Sena.

Mas ficar rico no longo prazo é possível e provável. O destaque, aqui está no provável. Se você investir de maneira diversificada no mercado de ações, na renda fixa, em imóveis, fundos imobiliários, o que for, tem grandes probabilidades de sucesso. Por quê? Por conta dos juros compostos. Quando você investe para o longo prazo e reinveste os lucros que receber (com dividendos, juros, aluguéis), não tem jeito de não ganhar dinheiro. Mas tem que ser diligente. Todo mês você tem que investir um pouco da sua renda.

Então respeitar a regra de investir todo mês é fundamental para enriquecer?

F. P.: Essa é a primeira parte da minha estratégia: guardar sempre um pouco do que ganho. No meu caso, tento guardar entre 30% e 50% do que ganho no meu emprego e lecionando. Uma orientação que eu dou para quem não consegue guardar dinheiro é tratar o dinheiro das economias como uma conta.

E digo mais: ela deve ser a primeira conta a ser paga quando entra dinheiro no seu bolso. Recebeu o salário? Separe o percentual que você definiu para guardar e invista imediatamente. Aprendi essa estratégia em um livrinho ótimo e bem didático chamado “O homem mais rico da Babilônia”, e ela dá certo!

Se você ganha pouco, invista em você. Até uma pessoa pobre que tenha um tempinho pra estudar a noite pode se desenvolver. Pode fazer cursos no Sebrae, no Senai ou no Senac. Pode se qualificar para conseguir um emprego melhor.

Meu pai saiu do interior de Sergipe, onde vendia balas de mel para ajudar em casa. Minha mãe ajudava minha avó a costurar em casa a fim de ajudar os doze irmãos. Estudaram, se qualificaram e conseguiram bons empregos. Graças a eles, pude ter um começo de vida muito melhor, estudei em escola particular, pude fazer faculdade de Direito e ter um background que me facilitou muito as coisas.

Mas, se a gente pensar bem, só tive esse suporte familiar por causa da ação dos juros compostos. Meus avós construíram as bases que possibilitaram a meus pais conseguir bons empregos por se sacrificarem para que meus pais e meus tios tivessem uma educação de qualidade.

Com isso, conseguiram bons empregos que possibilitaram começar a construir uma vida financeiramente estável. E aí, os juros da educação começaram a se transformar em juros financeiros, que começaram a se acumular paulatinamente.

Hoje, estou fazendo minha parte e, quem sabe, talvez eu possa deixar para o(s) filho(s) (que ainda não tenho) uma situação financeira ainda mais sólida. Poderíamos chamar isso de “juros compostos intergeracionais”.

Economizar é importante, mas o que dizer da diversificação? Afinal, muitos leitores sempre querem saber qual é o “melhor investimento” para um determinado momento. Existe isso?

F. P.: O primeiro passo é economizar. O segundo passo é diversificar. Acredite, todos somos estúpidos. Ninguém – ninguém – sabe o que vai acontecer no futuro. E não acredite em quem disser que sabe, porque não sabe. No máximo, tem um palpite bem orientado.

Ninguém sabe se o melhor investimento do ano vai ser o ouro, a bolsa, o dólar ou os fundos imobiliários. Mas, se você investir um percentual em cada classe de ativos, pode ter a certeza de que em algum momento cada ativo terá seus dias de glória. Com isso, você garante que, na média, está preparado para auferir os lucros de cada mercado. Com o tempo, o dinheiro vai entrar no seu bolso.

Mas é preciso tempo. Hoje, invisto em ações, tesouro direto e fundos de investimento imobiliário. Os rendimentos gerados por cada ativo são religiosamente reaplicados, de forma a ajudar a minha bola de neve monetária a se formar.

Um dia, quem sabe, eu e minha família poderemos pagar todas as contas com o dinheiro oriundo desses investimentos. Nesse dia, eu direi que tenho independência financeira – porque dinheiro é, na verdade, liberdade. Liberdade para não trabalhar, ou para trabalhar exclusivamente com o que eu desejar.

As pessoas acham que ter independência financeira é ter um emprego que paga as suas contas, mas não é. Elas não são independentes porque ainda têm que vender mensalmente seu corpo para uma empresa que lhes paga por isso.

E na hora de escolher uma ação para comprar, como é essa decisão em seu dia a dia? Como você decide em que empresa vai investir?

F. P.: Quanto às ações, minha estratégia basicamente é a seguinte: o primeiro ponto que eu verifico é o histórico da empresa. A empresa tem que ter vários anos no mercado. Não invisto em empresas pré-operacionais e empresas falidas, esperando uma reviravolta. Já fiz isso uma vez, com as ações da Inepar, e foi um erro.

Bom, procuro empresas que apresentem um bom histórico de lucros crescentes ao longo dos anos, receita líquida crescente, patrimônio líquido crescente, um ROE maior que 10% (de preferência 15%), margem líquida maior que 10% (quanto maior, melhor), índice de liquidez corrente maior que 1 e que tenha dinheiro em caixa.

Gosto também de empresas que ofereçam produtos ou serviços necessários para o nosso dia a dia: petróleo (gasolina, plástico), bebidas, alimentos, energia elétrica, bancos, calçados, aço, etc. são exemplos de produtos e serviços que serão necessários por muitos e muitos anos, e não há tanta mudança assim de liderança nesse setor.

Eu era criança e Antarctica e Brahma (hoje, ambas da Ambev) eram as marcas líderes – e ainda são. Grendene, BR Foods (Sadia/Perdigão), Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Gerdau são todas empresas que são líderes de seus setores há décadas. Não precisa inventar.

Veja só, até aqui só falei da empresa, não da ação. Olho primeiro a empresa, e só depois vejo o preço da ação. Gosto de indicadores como P/L e P/VPA, que são muito simples. Às vezes, as pessoas acham que uma ação é barata quando custa centavos. Não faz o menor sentido.

Uma ação de R$ 0,05 pode estar caríssima, e uma ação de R$ 80.000 pode estar baratíssima! O que diz o preço não é, paradoxalmente, a cotação, mas a relação entre o preço e o lucro ou entre o preço e o patrimônio da empresa. Uma ação que custe R$ 0,05, com uma relação P/VPA de 2 é mais cara do que uma ação cuja cotação é R$ 80.000,00, mas a relação P/VPA é 0,50.

Agora, às vezes faz sentido comprar ações relativamente caras. Pegue a Ambev, que tem um P/L maior que 20 já há alguns anos. Esse P/L é alto? É. Mas é justificado? Até aqui, sim. A empresa tem crescido seu lucro a uma taxa altíssima há décadas e, embora nos últimos anos tenha havido uma redução no ritmo, não há nada que indique que ela perdeu sua vantagem competitiva. A AB Inbev é proprietária das principais cervejas do planeta: Brahma, Antarctica, Quilmes, Budweiser… Todas são marcas do conglomerado!

Acredito que comprar ações aos poucos faz com que a gente não se preocupe tanto assim com o preço. Como você vai sempre comprar um pouquinho, vai formar um preço médio que, provavelmente, será cada vez melhor para alcançar seus objetivos.

Basicamente, a estratégia é essa. Não é complicado investir em ações quando você sabe que está comprando um negócio. Muitas pessoas me dizem que sou louco por ter uma parcela substantiva das minhas economias no mercado de ações e que o bom mesmo é ter um apartamento ou uma casa, que são “de concreto”.

Mas as pessoas não sabem que o que elas têm não é uma casa, mas uma escritura que diz que elas são donas de uma casa. Ou seja, ela tem 100% das ações de uma casa. Quando me dizem isso, eu digo que tenho um pedacinho de cada agência do Bradesco, um pedacinho de cada computador da Totvs, um pedacinho de cada prédio que está representado nos meus fundos imobiliários.

Na verdade, o que eu tenho é um “papel” que diz que sou dono dessas coisas, mas no fundo é o mesmo que ocorre com qualquer um que tenha um imóvel.

Em seu excelente blog “O Pequeno Investidor” você toca em pontos importantes na vida do investidor, tais como estratégia, prazo de investimento, perfil e tipo de aplicação (renda fixa e variável). Pode falar um pouco mais sobre estes temas?

F. P.: Acredito que o investidor deve adotar a estratégia que sinta ser mais adequada a seu perfil. Mas tem que levá-la a sério. Se é Análise Técnica, então compre os melhores livros, estude-os e faça a coisa seriamente. Saiba que seu controle de risco deve ser estritamente obedecido e que você está operando para o longo prazo.

O que mais vejo é gente levando prejuízo dizendo que está usando “análise técnica” e depois de um tempo insiste no erro dizendo que “agora” o investimento é de longo prazo. Até o dia que a paciência acaba e as ações são vendidas no fundo. Levou um prejuízo absurdo porque não tinha estratégia, na verdade.

A definição da estratégia tem que estar atrelada ao prazo do investimento. Não adianta dizer que quer usar análise fundamentalista pra ficar rico em 3 meses. Não adianta querer usar “stop” se sua estratégia é para 25 anos. Por que você vai vender uma ação cujo preço caiu 5%, se você quer ganhar dinheiro com ela em 20 anos? Não faz o menor sentido!

O meu prazo de investimento favorito é o “indefinido”. Sei que pode soar mórbido, mas eu quero morrer com todo o meu patrimônio investido. Isso quer dizer que eu não quero aproveitá-lo? Não. Quer dizer que eu quero viver da renda que meu patrimônio gerar. Se eu viver mais 20 anos, meu prazo é 20 anos; se eu viver mais 60 anos, esse será o prazo dos meus investimentos.

Agora, o prazo do investimento está intrinsecamente ligado ao perfil do investidor. Acho que muita gente fala bobagem sobre o perfil de investidor. Muitos educadores acabam dizendo que cada um tem um perfil a partir de suas preferências pessoais.

Por exemplo, Maria é uma servidora pública estável com 30 anos de idade com uma remuneração de R$ 15 mil por mês que tem medo da volatilidade das ações. Alguém que fosse analisar a situação dela, provavelmente diria que o perfil dela é conservador porque ela teme a volatilidade. Mas não é!

Maria é estável, ela não vai perder o emprego. O que tem que ser resolvido é o medo da volatilidade das ações. Ela tem que aprender a controlar esse medo, porque a situação dela permite que ela tolere uma volatilidade absurda! Tratam o perfil do investidor como se fosse um elemento psicológico, mas não é. O perfil depende de circunstâncias objetivas.

Se o fator psicológico é incompatível com esses elementos objetivos, o que tem que ser resolvido é o fator psicológico. Se Maria fosse uma vendedora de uma loja que ganhasse comissões e que pudesse perder o emprego a qualquer momento, ela estaria certa em ser conservadora, pois seu estilo de vida estaria sob ameaça a todo instante. O que ela precisa é crescer psicologicamente, não fincar-se a uma autoimagem de si que é incompatível com sua situação concreta.

Então podemos dizer que o perfil do investidor é também aprender a relacionar objetivos, prazos, estratégias e risco de uma forma mais ampla?

F. P.: Como você pode ver, esses fatores – estratégia, prazo e perfil de investimento – são completamente interligados. Mas outro pressuposto que eu busco desconstruir no blog diz respeito à tese de que renda fixa é um investimento conservador e de que renda variável é um investimento para perfis agressivos.

As pessoas acham que a poupança é conservadora. Não é. A poupança é autodestrutiva para a maior parte dos investidores porque paga juros irrisórios. Por outro lado, ações de empresas excelentes compradas a preços baixos são um investimento ultra conservador. O risco se torna muito baixo, porque o valor da empresa é muito maior que o preço de mercado dela.

No meio da crise de 2008, para repetir, comprei ações do Banco do Brasil a R$ 10,00. Hoje, o lucro anual da empresa é de R$ 4,31 por ação, e só o valor patrimonial dela é de R$ 21,58 por ação! Ou seja, eu poderia comprar, em 2008, o Banco do Brasil por pouco mais de 2 vezes o valor que ele gerava de lucro por ano, ou pela metade do que só o patrimônio dele vale hoje. Como diz Buffett, é como comprar uma moeda de R$ 1,00 por R$ 0,50.

É preciso parar de ter medo da volatilidade. As pessoas gostam de imóveis porque têm a sensação de que eles não passam por volatilidade. Mas isso é uma mentira! Essa sensação só existe porque não existe uma bolsa de valores com os preços de cada apartamento ou casa à venda. Se existisse, veríamos flutuações abruptas a cada instante.

Muitos dizem que o preço de imóvel não cai, mas isso também é uma mentira! O preço de imóveis no Brasil permaneceu estável por anos a fio na década de 1990 e só disparou recentemente. Mas, como as pessoas não vendem imóvel a cada minuto, nem a imprensa mostra a “cotação” deles todo dia, fica a impressão de que eles sempre estão “subindo”.

Por que isso acontece? Por que as pessoas dão uma olhada no preço dos imóveis uma vez a cada dois, três, cinco anos. E aí, mesmo que o preço apenas se corrija pela inflação, fica a impressão de que sempre está “subindo”. Ledo engano.

A volatilidade é o que torna o mercado de ações tão lucrativo, a meu ver. Mesmo em um mercado lateral como o atual, é possível conseguir uma remuneração no mínimo igual à renda fixa, como mostrei no meu artigo que foi publicado recentemente aqui no Dinheirama.

E isso em um mercado horroroso como o dos últimos anos. Mas não duvide: em algum momento ocorrerá um novo bull market, e quem fez a lição de casa terá bons motivos para sorrir no período em que isso acontecer. Uma ação que pague 3% de dividendos a cada ano e cuja cotação cresça, em média, apenas 8% ao ano, traz uma rentabilidade muito maior que a da renda fixa. E essas são premissas bastante prováveis.

Em seu eBook “Manual do Pequeno Investidor em Ações” você fala sobre sobre investimento em ações de forma acessível e para quem tem pouco dinheiro para começar. Afinal, com quanto dinheiro devemos considerar o investimento na bolsa e quais devem ser os primeiros passos?

F. P.: Acredito que o primeiro passo é começar a poupar. Guardar dinheiro mesmo, não importa o quanto: R$ 50,00, R$ 100,00. Com uns R$ 1.000,00, acredito que o investidor já pode começar a investir em ETFs, fundos de índice que são muito mais baratos em média que os fundos oferecidos pelas instituições financeiras.

Mas acredito que o ideal para começar a investir diretamente em ações é quando é possível investir, por mês, pelo menos uns R$ 1.000,00. Com menos do que isso, os custos com corretagem normalmente são tão elevados que não faz sentido comprar diretamente ações.

O segundo passo é estudar. Mesmo que você vá investir por meio de um ETF, estudar o mercado de ações dá tranquilidade para saber que, se o valor das cotas caiu, isso é normal. É o que acontece no mercado de ações: os preços sobem, os preços caem. Sempre, sempre e sempre. Caiu 20%? Normal. Caiu 30%? Normal. Caiu 50%? Normal. Caiu 70%, como em 1990? Normal. E depois vai subir. Normal também.

O terceiro passo é definir uma estratégia de diversificação. Benjamin Graham recomenda uma regra básica: nunca invista mais que 75% em ações e nunca menos de 25%. O dinheiro restante, deixe na renda fixa para aproveitar os momentos de queda no mercado, que exigirão um rebalanceamento.

Essa estratégia de alocação é interessante porque obriga o investidor a sempre comprar ações na baixa e a vendê-las na alta. Imagine que você tem 30% do investimento em ações e 70% em renda fixa e que promove o rebalanceamento da carteira uma vez por ano, no dia primeiro de janeiro.

Chegou o Réveillon e você percebeu que, com as movimentações do ano anterior, as ações caíram um pouco e agora respondem por 22% do patrimônio, ocupando a renda fixa 78%. O que você faz? Vende renda fixa e compra ações para chegar à proporção anterior. Você comprou ações cujos preços caíram, e não na alta.

Definida a estratégia de diversificação, é preciso definir parâmetros de sua estratégia de seleção de ações. Acima, falei sobre os critérios que uso, mas cada um pode ter critérios ligeiramente diferentes. O que importa é definir esses critérios e aplicá-los religiosamente.

Se sua estratégia diz que você deve investir apenas em empresas que apresentaram 5 anos de lucros crescentes consecutivamente, não adianta investir em empresa quebrada com a esperança de que ela venha a ser comprada por um “gigante” do mercado (um boato que de vez em quando contamina o mercado).

Acho que é isso. Como eu disse antes, investir em ações não é complicado. As pessoas complicam porque querem encontrar “A ação” que trará fortuna. Mas isso não existe.

Fábio, obrigado por participar desse bate-papo. Por favor deixe suas considerações finais sobre o investimento em ações e seu trabalho no blog “O Pequeno Investidor”. Como o leitor pode encontrá-lo?

F. P.: Bom, Conrado, em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer o convite. É ótimo participar aqui do Dinheirama, blog que foi o pioneiro na popularização das finanças pessoais no Brasil e que não deixa de ter sido fonte de inspiração para “O Pequeno Investidor”.

Meu trabalho no blog é o de mostrar ao pequeno investidor – aquele sujeito que trabalha oito horas por dia, mas quer vencer na vida – que é possível alcançar seus objetivos financeiros. Tento mostrar que o mercado de ações é um lugar onde ele não é apenas operário, mas dono de uma empresa.

Aliás, tenho até uma brincadeira que costumo fazer sobre isso: Marx dizia que, no comunismo, os operários seriam os donos do meio de produção. E, se é assim, a bolsa de valores, talvez o maior símbolo do capitalismo, é exatamente o lugar onde isso pode acontecer. O operário da Petrobras pode ter ações da empresa e ganhar não apenas salário, mas também dividendos.

Meu objetivo também é o de mostrar algo que deveria ser ensinado na escola. Finanças pessoais não são um bicho de sete cabeças. Na verdade, boa parte do que é necessário é simples bom senso.

Bom senso para não gastar todo o dinheiro e economizar, bom senso para não se afundar nas dívidas, bom senso para escolher empresas que dão lucro para investir, e não empresas que “pode ser” que venham a dar lucro se por uma acaso do destino acontecer algum evento milagroso.

Se você fosse abrir uma franquia, investiria dinheiro em uma franquia que literalmente só dá prejuízo? Não? Então por que muitas pessoas decidem investir em ações de empresas que nunca deram lucro? Isso ofende o bom senso.

Para me encontrar, o leitor pode clicar aqui e me visitar no blog ou me seguir pelo Twitter (@peqinv), Facebook ou pela minha lista de e-mails. Quem se inscreve nela tem acesso a todos os artigos que publico e, além disso, recebe de graça uma amostra com dois capítulos do meu e-book.

Foto: divulgação.

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