Economia também é assunto para os jovens, principalmente porque eles sempre são os agentes de transformação (ou não) de um país. Entender o que se passa com nossa taxa de juros, nossa política fiscal e qual o papel da sociedade diante desses desafios é questão de cidadania. Para destacar a importância do tema, nada melhor que conversar com um economista. Felizmente, tivemos a oportunidade de bater um papo com um grande economista: Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central.
Gustavo Franco é Economista pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, onde também completou seu mestrado. Sua dissertação foi a primeira colocada em 1983 no Prêmio BNDES de Economia. Foi professor, pesquisador e consultor em assuntos de economia no Departamento de Economia da PUC-RJ, especializando-se em inflação, estabilização, história econômica e economia internacional, áreas em que publicou extensamente.
Entre 1993 e 1999, Gustavo foi secretário de política econômica adjunto do Ministério da Fazenda, diretor de Assuntos Internacionais e presidente do Banco Central do Brasil. Teve participação central na formulação, operacionalização e administração do Plano Real.
Em 2000, Gustavo Franco fundou a Rio Bravo Investimentos, empresa de serviços financeiros, fusões, aquisições, investimentos e securitizações. Participa de diversos conselhos de administração, consultivos e de eventos corporativos como palestrante. Em paralelo, mantém alguma atividade acadêmica (aulas e pesquisas) e escreve para jornais e revistas (O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, Veja, Época). Acompanhe nossa conversa:
Gustavo, um dos temas mais discutidos no Brasil é a taxa de juros. Recentemente você se tornou uma voz importante que acredita que poderíamos já praticar taxas de juros similares às da zona do Euro. Como viabilizar esse cenário?
Gustavo Franco: Somos o campeão mundial de juros há muitos anos; já é tempo de assumir que há algo de patológico nesse comportamento. Temos praticado as “metas de inflação” tal como se já tivéssemos alcançado a “normalidade” em matéria de juros e contas públicas, o que, infelizmente, não é o caso. Parece que a crise fiscal do Hemisfério Norte fez parecer que a nossa situação é melhor do que realmente é.
O fato é que sem uma melhora substancial no déficit nominal (e no superávit primário), não vamos conseguir reduzir muito substancialmente os juros sem acordar a inflação. Trata-se, portanto, de mudar a mistura: menos “política fiscal” permite mais “flexibilização monetária”.
Olhando para 2012 e os gastos que o governo terá, inclusive com aumento substancial do salário mínimo (e consequentemente a expectativa de consumo maior), não corremos o risco de termos o retorno da inflação se a Selic cair demais?
G. F.: Sim, corremos o risco. A determinação presidencial de reduzir os juros é louvável, mas se o Palácio não providenciar uma melhoria na política fiscal vamos rumar na direção do “mix” argentino, onde a inflação se aproxima de 20%, há manipulações e muita propaganda sobre a manutenção do crescimento, ainda que meio trôpego, e provavelmente insustentável. Não é o caminho que devemos perseguir.
A atual direção do Banco Central optou por conter a inflação com a adoção das chamadas medidas macroprudenciais. Nesse meio tempo, a crise na Europa se agravou – o que de certa forma contribuiu para o aumento de preços e desaquecimento econômico em todo mundo. O Brasil pode aproveitar-se deste momento ou sofrerá com ele?
G. F.: Pessoalmente, não gosto de medidas “macroprudenciais”, pois sob este título o que se pratica, geralmente, é controle quantitativo do crédito e tributação disfarçada, o que antigamente era chamado de “repressão financeira”. O impacto dessas medidas é simplesmente o de aumentar o “spread” bancário, ou seja, um aumento de taxas de juros que incide apenas para o crédito (para o setor privado).
O fato é que essas medidas ajudaram o Brasil a parar de ferver, mas em níveis de atividade e emprego ainda muito altos. A crise na Europa tem tido alguma influência deflacionista mas nada nem próximo do que se observou em 2008, de tal sorte que esta nova safra de reduções na Taxa Selic precisa ser calibrada com enorme cuidado.
O desejo de crescer de forma sustentável nos acompanha há um bom tempo. Não seria o momento de olharmos com carinho para possíveis alterações na política fiscal, incluindo uma possível elevação no superávit primário?
G. F.: Claro que sim, está mais do que na hora. Na verdade, há anos que estamos diante desse desafio. Os governos fazem o possível e o impossível para procrastinar esse momento, face aos custos políticos de curto prazo. É a miopia clássica dos políticos, que não percebem o tamanho do benefício que pode ser gerado no futuro. Enfim, estamos perdendo tempo e ajudando a nutrir a máxima segundo a qual somos o país do futuro que nunca chega.
No livro “Cartas a um Jovem Economista”, você teve a oportunidade de conversar com um público jovem e que está se preparando para entrar no mercado de trabalho. Algumas projeções colocam o Brasil entre as quatro maiores economias do mundo daqui algumas décadas. Qual o peso dos jovens na nova realidade econômica do Brasil?
G. F.: É gigantesco. As mudanças demográficas dos últimos anos nos transformaram em um país com um inchaço nas faixas etárias dos iniciantes no mercado de trabalho, todos empregados e com fortes percepções de que é enorme a “taxa de retorno” do investimento em educação é qualificação.
Há muito otimismo no ar, e por isso o Instituto Gallup aferiu que o Brasil ocupa a 24ª posição no ranking de países sobre “felicidade” e a 1ª do mundo em “felicidade esperada para cinco anos à frente”. Isto é estranho para um país que ocupa a 83ª posição no ranking do Índide de Desenvolvimento Humano (IDH), e só se explica a partir de um fator, aliás, como ficou bem demonstrado no estudo do CPS-FGV-RJ, de Marcelo Nery: o fator é a juventude.
Um dos pontos mais delicados em nosso país é justamente a falta de mão de obra especializada. Em que medida as reformas na educação e no nível do ensino profissionalizante são fundamentais para alcançarmos o projetado sucesso?
G. F.: O ponto crucial é o aumento de vagas, e isto tem ocorrido sobretudo a partir de estabelecimentos privados. No ensino universitário, a rede pública estagnou e se elitizou a despeito da demagogia em se manter a gratuidade das mensalidades, que beneficia apenas aos filhos da classe média abastada para cima.
Enquanto isso, o ensino universitário noturno talvez tenha multiplicado por cinco as suas vagas nos últimos 10 anos. O governo prefere gastar dinheiro dando bolsas para os estudantes na rede privada (PROUNI) a cobrar anuidades na rede pública. Eu não consigo entender.
Gustavo, obrigado pela participação. Por favor, deixe um recado final aos nossos muitos leitores jovens que admiram sua trajetória.
G. F.: O Brasil é um país jovem cheio de estruturas velhas, por isso somos uma explosão de empreendedorismo e vontade de vencer, mas num ambiente ainda dominado pelo privilégio e pelos cânones do patrimonialismo. O país precisa se renovar. Em boa medida, a hiperinflação era um sintoma dessa batalha entre o novo e o velho. Os problemas não foram inteiramente resolvidos, longe disso. A juventude será a principal força na direção da mudança, e há muito o que fazer.
Crédito das fotos: Daniela Toviansky/AE e divulgação.