Na qualidade de país emergente, não é incomum ver o Brasil praticando algumas das taxas de juros mais altas do G20, grupo que reúne as vinte principais economias do planeta. Embora isso resulte em ganhos mais altos na renda fixa, tende a ser um entrave para a evolução dos lucros de empresas listadas em bolsa. Isso nos leva ao seguinte questionamento: como a renda variável se saiu quando colocada contra a renda fixa nacional?
Essa é uma pergunta importante para quem investe no Brasil, porque tem implicações diretas na forma como a carteira será, ou não, estruturada. Não apenas isso, mas nos mostra qual a relação entre o risco incorrido e o retorno gerado em cada uma dessas formas de investimento, permitindo equilibrar melhor as expectativas de retorno.
Com isso em mente, o núcleo de research da Portfel fez um levantamento com os dados do IBRX e IBOV, principais indicadores da renda variável no Brasil, e de três índices de renda fixa: CDI, IMA-B5 e IRF-M. Respectivamente, eles representam a taxa livre de risco; uma carteira com títulos Tesouro IPCA de vencimento em até cinco anos e uma carteira com os principais títulos do Tesouro Nacional prefixados, sem limite de vencimento.
Os resultados são interessantes e mostram como a situação específica do Brasil é complexa para quem investe, especialmente no caso da renda variável. Isso porque, mesmo em prazos mais longos, existem períodos em que a renda fixa livre de risco, através do CDI, supera com folga o retorno das ações. Quando consideramos IMA-B5 (Tesouro IPCA) e IRF-M (Tesouro Pré), as coisas ficam ainda mais tensas.
Primeiramente, abandone o IBOV
Há algum tempo que insistimos que o Ibovespa não deveria ser um índice relevante para quem investe, pois sua metodologia decide o peso de cada ação pelo quanto ela é negociada e isso implica numa série de problemas. O principal deles é que o retorno do índice é horrível contra todos os quatro ativos (IBRX, CDI, IMA-B5 e IRF-M).
O IBRX 100 reúne as cem maiores empresas da bolsa e calcula o peso de cada uma com base no seu valor de mercado, tal como a maioria dos índices de ações mundo afora. Por isso, captura praticamente todo o prêmio disponível na renda variável nacional. O IBOV, por outro lado, luta para sequer ganhar da poupança em períodos mais longos, o que implica em rendimentos ainda piores contra os demais indicadores.
Vamos aos dados, começando com a disputa IBOV vs IBRX, considerando os resultados acumulados por um investimento iniciado no primeiro dia de cada ano desde 1995, com todos eles encerrados em 2022. Em 27 dos 28 períodos analisados, o IBOV teria perdido para o IBRX, equivalendo a um retorno inferior em 96,43% das vezes.
Quando comparamos o indicador mais popular das ações nacionais com o CDI, usando esses mesmos critérios, os resultados se repetem. No caso, o IBOV teve retornos piores que a taxa livre de risco em 23 dos 28 cenários, acumulando retornos inferiores em 82,14% dos casos. Há períodos, como após a crise de 2008, no qual o CDI abre uma diferença anual de +5,61 pontos percentuais (p.p.) ao ano por 14 anos, chegando a +114,71 p.p. no acumulado.
Se isso te parece um retorno péssimo, prepare-se por as diferenças serem ainda mais drásticas quando olhamos para IMA-B5 e IRF-M. No primeiro caso, o IBOV perdeu em 17 dos 19 cenários, equivalente a 89,47% dos casos. No segundo, em 18 dos 22, derrotado em 81,82% das vezes. No caso mais extremo, teriam gerado diferença de 8,11% e 7,05% ao ano, por 14 anos, ou 197,93 p.p. e 159,54 p.p. no acumulado.
Convenhamos que esses dados deixam bastante claro que um investimento no IBOV não é válido sob nenhuma perspectiva. Por essa razão, optamos sempre pelo IBRX, que tende a superar cerca de 90% dos fundos de ações em períodos de cinco ou dez anos e pode ser facilmente replicado por um ETF de baixíssimo custo.
IBRX vs. Renda Fixa
Quando comparamos o IBRX contra o CDI, desde 1995, as coisas ficam muito mais equilibradas do que quando utilizamos o IBOV. Ao todo, a bolsa nacional venceu a taxa livre de risco em 16 dos 28 casos, entregando retornos mais altos em 57,14% das vezes.
Isso inclui diferenças expressivas, inclusive no passado recente, com aplicações no índice de ações abrindo ganhos de +6,50 p.p. e +4,34 p.p. ao ano, a partir de 2016 e 2017. Isso chega a uma diferença acumulada de +45,91 p.p. e +23,66 p.p. Mesmo no pior período, iniciado em 2008, a diferença é bem menor que no IBOV, com o IBRX rendendo -4,01 p.p. ao ano ou um total de -73,40 p.p. ao final de 14 anos. Para efeito de comparação, isso é quase metade do que a diferença entre CDI e IBOV no período.
A grande questão, quando comparamos o IBRX com IMA-B5 e IRF-M é que, mesmo se saindo bem melhor do que o IBOV, ele ainda é incapaz de gerar retornos consistentemente mais altos que esses índices.
Com relação ao IMA-B5, os retornos do IBRX foram inferiores em 17 dos 19 períodos analisados, sofrendo derrota em 89,47% das vezes, o mesmo que o IBOV. No caso do IRF-M, os resultados foram mais interessantes, com o IBRX sendo derrotado em 15 dos 22 cenários, totalizando um retorno inferior em 68,18% dos casos, contra 81,82% do IBOV.
Enquanto a renda variável chega a oscilar duas ou mesmo três vezes mais que a renda fixa, vale a pena questionar o que explica essa performance ruim mesmo no longo prazo. Afinal, riscos sistematicamente maiores, como aqueles do iBRX, deveriam resultar em ganhos mais altos, certo?
O dilema dos prêmios nacionais
Como mencionamos no início desse texto, o Brasil historicamente pratica taxas de juros extremamente altas quando comparadas com outros países emergentes que integram o G20. Isso não é necessariamente negativo, visto que permitiu ao país controlar a hiperinflação e ter uma economia, em larga medida, estável quando comparada aquela de vizinhos sul-americanos.
Entretanto, especialmente no caso do IMA-B5, os prêmios atrelados ao Tesouro IPCA foram historicamente bem altos, com o índice acumulando uma média de IPCA + 4,5%. Esse prêmio foi entregue com um risco de oscilação que, quando comparado com a renda variável, é mínimo.
O resultado concreto dessa relação, que existe em menor escala no IRF-M, é que a renda variável brasileira foi simplesmente incapaz de entregar retornos consistentemente superiores ao longo do tempo. Em parte devido ao tamanho do prêmio pago pelo Tesouro Nacional, e em parte pelo o que isso implica para empresas crescerem, sendo um custo muito alto para emissão ou manutenção da sua dívida.
Com isso, embora o IBRX entregue um retorno sobre o CDI, do ponto de vista puramente econômico e financeiro, ele não consegue ser uma escolha justificável quando comparado com os ganhos oferecidos pelas demais modalidades de renda fixa. No caso, nos referindo aqui ao IMA-B5 e ao IRF-M, que sequer acessam os mercados de crédito privado, onde há retornos ainda mais altos para serem capturados.
Eu deveria me desfazer das ações?
Os dados que apresentamos acima podem levar algumas pessoas a questionarem se faz algum sentido investir em ações no Brasil. A resposta é que sim, a renda variável nacional continua tendo uma função importante por uma série de razões.
A primeira delas é que, nos casos de IMA-B5 e IRF-M, nossos dados só tem início em 2004 e 2001, excluindo da análise os períodos que vão de 1995 a 2000, quando o IBRX teve anos particularmente fortes. De 1999 a 2022, caso mais extremo, o índice chegou a render 16,17% ao ano; de 1996 a 2022, obteve 15,25% ao ano. Esses dois resultados são muito superiores a qualquer um oferecido pelos dois indicadores de renda fixa.
A segunda razão é que embora o Tesouro Nacional tenha oferecido prêmios muito substanciais na renda fixa, isso não necessariamente será o caso no futuro. Diante de prêmios sistematicamente mais baixos na renda fixa, as empresas passam a ser o principal vetor de ganhos para quem investe, tal como ocorre nos países economicamente avançados.
Uma terceira e última razão é que mesmo que o Brasil continue praticando taxas de juros mais altas, as ações nacionais podem passar por um novo ciclo de alta, produzindo retornos substancialmente mais altos que a renda fixa. Logo, conforme cresce o apetite por risco, torna-se mais complicado abdicar desse potencial de retorno futuro.
Alocando em renda variável no Brasil
Uma vez que esses pontos tenham sido considerados, é importante entender que mesmo as carteiras mais arriscadas precisam ter uma dose grande de renda fixa nacional. Nisso, carteiras locais vão ser significativamente diferentes daquelas construídas em países mais ricos, onde é possível justificar uma alocação totalmente atrelada a renda variável.
Outro ponto de atenção diz respeito a necessidade de equilibrar os investimentos em renda variável nacional com aqueles em renda variável internacional ou global. A razão para isso, além do ganho oferecido pela diversificação, é que esses investimentos se beneficiam de eventuais altas do dólar e que as empresas de países economicamente avançados produzem retornos mais interessantes do que no Brasil.
Que fique claro, isso não significa prescindir da renda variável nacional para aplicar apenas em ativos internacionais — tema que exploramos nesse texto, publicado recentemente. A título de ilustração, embora o S&P 500, que reúne as quinhentas maiores empresas dos EUA, tenha tido uma performance espetacular na última década e meia, esse nem sempre é o caso.
Investimentos feitos no IBRX no início de cada ano entre 1996 e 2004, teriam obtido retornos superiores ao índice americano no acumulado até 2022. No agregado, o principal indicador de ações dos EUA venceu 17 dos 28 cenários, obtendo vitória em 60,71% dos casos. Com isso, deixou uma parcela importante de 39,29% para o IBRX, que não pode ser simplesmente desprezada.