Após abraçar os filhos e passar cinco dias com Enzo, Aldo e Raul em um modesto apartamento emprestado no bairro do Brooklin Paulista em São Paulo (ele não mais dispunha de seu casarão de quase 1.000m2 na Groenlândia com a Veneza), a segunda coisa que Marcos Elias fez ao chegar liberto do cárcere nos EUA, em 13 de agosto de 2021, foi tentar recuperar as credenciais: como gestor, perante a CVM, como analista, na Apimec e como AAI (Agente Autônomo de Investimento), junto a Ancord.
Ele entendia que o processo seria fácil. Marcos fora descredenciado na CVM quando não atualizara seu cadastro nos meses de maio, durante os 3 anos e meio em que estivera preso. Já a certificação da Apimec, ele mesmo havia ordenado ao seu advogado Rafael Sugai que depusesse a credencial. Dadas as causas da perda, a recuperação lhe parecia óbvia. Mas não foi assim.
A burocracia
A CVM, por exemplo, lhe exigiu que saldasse uma dívida que herdara do divórcio por conta de cálculo retroativo de IPTU e que redundara em uma negativação no Serasa.
Ele o fez, tomando dinheiro emprestado de amigos. Então, a CVM passou a questionar-lhe sobre os motivos que o levaram à prisão.
Mais uma vez, ele o fez, adicionando que estava entrando contra o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ, na sigla em inglês) e no Tribunal de Haia para provar, “post mortem”, sua inocência. Mas isso não satisfez a autarquia.
Contra Corrente
Ele não tinha mais tempo, tampouco dinheiro. Levantou R$ 2 milhões com um gestor de recursos, amigo de longa data, e lançou-se ao mercado financeiro. Chamou a imprensa: “Sim, vou fazer uma nova casa de research. Não, não estou habilitado para tanto perante a CVM”. Montou a Contra Corrente”. Por dois anos visou regularizar-se, sem sucesso.
Segundo a sua página no LinkedIn, a research tem o lema: “Market intelligence. Geramos alfa para institucionais. Guiamos investidores profissionais a ganhos disruptivos. IB.”. O site institucional está temporariamente sem atualizações, em respeito à decisão da CVM.
Sem a certificação, decidiu que venderia um serviço de reestruturação das áreas de análise para gestoras. Reza a lenda que Marcos levou a Link Corretora do zero ao primeiro lugar no ranking da Bovespa trabalhando solo, por meio do muito acompanhado “Equity Insights”. Passou a vender essa experiência aos gestores independentes e corretoras, assim não incorrendo em venda de recomendações e se desviando do escopo da CVM. Com isso, Marcos amealhou 8 clientes e um faturamento próximo a R$ 500 mil por mês para a Contra Corrente.
A sua equipe
Sentindo-se mais fortalecido e lúcido diante do fato de que, por mais que tivesse colecionado premiações como a de gestor cinco estrelas pela GAS/Vinci e de melhor analista do país pelo ranking AE/Ibmec, seria tratado como ex-presidiário, buscou uma equipe de peso:
Vitoria Saddi: campeã brasileira de xadrez, ex-head global do JP Morgan derivatives, PhD em economia e professora da NYU, lançou o site Seeking Alpha e implementou a casa de análise de Nouriel Roubini.
João Mascolo, marido da Vitoria, fundador da Sociedade Brasileira de Econometria e pós-doutor em economia por Chicago. Além deles, os analistas Carlos Eduardo Moreira, Gustavo Pessoa, Fernando Julião, dentre outros.
Comprou, então, uma gestora do TC (TRAD3), hoje chamada Actus e reviveu o nome Modena Advisory em uma nova consultoria. Hoje, Elias está lançando um FIDC NP, o primeiro fundo de litigation finance do Brasil, e um fundo multimercados. Elias afirma que a Modena já possui 7 mandatos, dentre M&As e fund raising, com um possível fee total de R$ 50 milhões.
Enquanto isso, continuou em sua troca de cartas com a CVM.
Suspensão
Mas ontem recebeu a notícia: a CVM suspendera as atividades da Contra Corrente até que se conformem à regulamentação.
O que Marcos fará? Ainda ontem, recrutou no mercado analistas faltantes para se adequar à CVM, e em poucas semanas, garante, aderirá às exigências da autarquia e estará, inclusive, consoante a Apimec.
“Logo voltaremos a operar, embora não dependamos de calls ou recomendações: nosso trabalho é de reestruturação de assets e também nos damos a discutir e aprimorar filosofias de investimentos”.
Round 15
Mas ele terá desistido da briga que iniciou enquanto estava na Empiricus? Ele garante que não:
“A CVM, que se diz sem recursos para atuar, vem sistematicamente buscando ampliar sua atuação regulatória. A razão de existir da CVM e daquilo que propeliu a Nova Lei das S/As estava na cabeça de Mario Henrique Simonsen e era simples: proteger minoritários e desenvolver o mercado. Hoje a autarquia atua na contramão de sua raison d´être”.
No final de fevereiro, por exemplo, associações do mercado financeiro, como a Apimec e a Anbima, enviaram uma nota conjunta solicitando ao governo federal mais dinheiro para a CVM.
“Você estaria sendo considerado pela CVM como um influencer, é isso?”, perguntei-lhe.
“Não sei. Sei que não sou influencer. Sei que protegi os minoritários. Sei que desenvolvi esse mercado. Fiz o trabalho da CVM, sem onerá-la. Quem denunciou Daniel Dantas ao tentar se esquivar do Artigo 254-A para pagamento de tag along na Brasil Telecom? Quem lutou contra os royalties sobre as receitas da Gerdau (GGBR4) que a família Gerdau teve em vista emplacar pelo uso do próprio nome? E na Gerdau, qual foi a voz renitente contrário ao empréstimo de R$ 30 milhões para que um dos herdeiros do grupo pudesse financiar sua aparição nas Olimpíadas? Quem foi o autor do relatório que apontou uma dezena de inconsistências contábeis na Marfrig (MRFG3)?”.
Marcos conta que decidiu encampar uma batalha contra associações e reguladores quando foi suspenso por 12 meses por conta das provocações ao CFO da Marfrig:
“Está lá, nos autos da Apimec: “Um relatório de análise deve parecer-se com um relatório de análise laboratorial”. Quem consegue fazer uma empresa sob esse gesso? Afirmar o que a Apimec fez redunda em, inclusive, negar o trabalho seminal de Pérsio Arida acerca da importância da retórica na economia. Quando li aquela decisão, decidi descredenciar todos meus analistas. Precisamos de liberdade”.
E, por muitos anos, a Empiricus, embasada nos pareceres de Modesto Carvalhosa e de Ary Oswaldo Mattos Filho, manteve-se fora do escopo da CVM, nunca tendo sido condenada na justiça comum. Às vésperas da venda da Empiricus ao BTG Pactual (BPAC11), adaptou-se aos reguladores.
“O que você planeja fazer?”, perguntei-lhe por fim.
“Vou colocar a Contra Corrente em conformidade. Pari passu, vou empreender minha luta contra o gesso da CVM. Nos EUA, a SEC não regula as casas de research, e com bastante frequência, elogia o trabalho de casas como Motley Fool, descrevendo-a como um “oásis para os investidores minoritários”.
E, por fim, como não poderia deixar de ser, Marcos “espeta”:
“A CVM vive na mídia afirmando que não tem recursos para exercer apropriadamente sua função. Mas quer regular até os fóruns de discussão entre “sardinhas” de mercado. A CVM antecipou o rombo de mais de R$ 40 bilhões nas Americanas (AMER3)? Prenunciou a participação da Petrobras (PETR3; PETR4), entre outras, no Lava Jato? Não. Mas quer me calar, eu que fiz um pouco do que ela deveria fazer”.
Marcos termina afirmando que a CVM se moveu ontem contra a Contra Corrente por conta de uma denúncia que teria sido feita por um institucional, uma gestora. Perguntei-lhe quem, especificamente? Ele retrucou que, na verdade, são ilações da cabeça dele, tendo em vista que trava uma disputa com a Trígono Capital sobre gestão de risco para small caps.
Marcos então me sorri e afirma que há dois biógrafos narrando sua vida, sendo um deles Otaviano Matos Filho. O outro, Rodrigo Sanfelice.
“Logo estrearei na Netflix”.