O Brasil tem um histórico complicado com a inflação, com períodos como a década de oitenta, onde o avanço de preços ficou acima dos mil por cento ao ano. Isso reforça a importância de investirmos com foco na proteção do poder de compra, e permite introduzir o tema desta semana. Será que fundos de investimento imobiliário (FIIs) e ouro, sendo considerados comumente seguros contra a inflação, realmente entregam isso?
Para responder a essa pergunta, nosso núcleo de research levantou uma série de dados, para responder se esse é o caso ou se é mais interessante focar nos veículos tradicionais de proteção. No caso, três indicadores da renda fixa: CDI, IMA-B e IMA-B5.
Enquanto o CDI representa o retorno considerado livre de risco, os dois outros reúnem títulos do Tesouro Nacional atrelado a inflação, o primeiro com a curva completa e o segundo com vencimento até cinco anos.
Os resultados mostram que, do ponto de vista da proteção inflacionária, nem os FIIs e nem o ouro são interessantes, indo em linha com o que a comunidade científica tem mostrado ao longo das últimas décadas. Entretanto, antes de nos aprofundarmos nessa discussão, é importante entendermos por que esses dois ativos são associados com a inflação.
Ouro, imóveis e alta de preços
Além de ser historicamente associado com a riqueza, o ouro foi usado como padrão monetário entre o fim do século XIX e durante boa parte do século XX. Portanto, as moedas representavam um determinado peso de ouro, e ao investir no metal você se protegeria de um eventual descontrole na política monetária. Isso resultaria, em tese, numa proteção inflacionária.
Entretanto, a comunidade científica mostrou com bastante robustez que esse não é o caso, porque a inflação não é um fenômeno atrelado ao sistema monetário e muito menos ao ouro. Inclusive, diversos estudos mostram que o ouro nunca teve nenhum propriedade inflacionária relevante, mesmo olhando para períodos tão antigos quanto o do Império Romano.
O fascínio pelo ouro, nessa medida, é motivado por um simples viés cognitivo e uma impressão errada sobre seu valor real enquanto investimento. Isso não significa que o metal não tenha períodos de altas e baixas, mas essa oscilação não está relacionada com os movimentos da inflação. Considerando que, de resto, o ouro não produz nada e seu uso é extremamente limitado, ele se mostra um investimento questionável.
No caso dos imóveis, e por extensão os FIIs, existe uma base financeira um pouco mais robusta. Isso porque envolve algo que terá uso concreto (imóvel), há a possibilidade de investir em crédito (CRIs e CRAs), e muitos aluguéis são corrigidos pela inflação nacional, medida pelos índices IPCA ou IGP-M.
Entretanto, as coisas são mais complexas do que isso, tanto na compra direta de imóveis quanto no caso dos fundos imobiliários. Ângelo Orru Neto, em sua tese de doutorado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostrou que não existe correlação relevante entre inflação e o principal índice de FIIs nacional (IFIX), tampouco com os índices FIPEZAP e IVG-R, focados no mercado privado de imóveis.
Contudo, independente do que tenha acontecido no passado, o que importa para quem investe é o que acontecerá no futuro. Com isso em mente, no quesito proteção inflacionária, temos que olhar para os investimentos que estão disponíveis agora para avaliar quais oferecem a melhor relação de risco e retorno.
Além do próprio CDI, que historicamente bateu a inflação em praticamente todos os períodos, nesse texto vamos falar dois índices importantes, chamados IMA-B e IMA-B5. Respectivamente, eles reúnem os títulos do Tesouro Nacional IPCA com vários vencimentos (IMA-B) e com vencimento em até cinco anos (IMA-B5), com ambos garantindo retorno acima da inflação no médio e longo prazo.
Como esses ativos se saíram contra a inflação?
Nessa análise, consideramos o ouro negociado na B3 (OZ1D) e o IFIX, que reúne a maioria dos fundos imobiliários do país, representando bem essa classe de ativos; usamos o IPCA como referência para a inflação, além do CDI, IMA-B e IMA-B5 para representar a renda fixa. A partir disso, coletamos dados sobre retorno real, correlação com o IPCA e a volatilidade, ou grau de risco, de cada um deles.
Os levantamentos partem do retorno acumulado até o último dia de 2022, começando no primeiro dia de cada ano desde o surgimento do ativo ou índice. Por exemplo: de 1995 a 2022; de 1996 a 2022; de 1997 a 2022… Isso gera os retornos acumulados ano a ano, convertidos para um retorno anualizado, que facilita a análise. Dessa forma, chegamos a um levantamento extensivo do rendimento de cada um dos investimentos.
Começando pela correlação, é importante notar que nenhum deles ativos apresentou uma relação próxima com o IPCA, com todos tendo média abaixo de 0,05. Isto é, os investimentos andam no mesmo sentido que a inflação em menos de 5% das vezes.
No caso do ouro e do IFIX, os resultados foram -0,01 e -0,02, portanto em 1% e 2% das vezes, se a inflação cai ou sobe, ouro e IFIX se movem no sentido oposto. Indo em linha com os estudos que comentamos acima, nenhum dos dois tem qualquer propriedade inflacionária.
Esse não é o caso diferente do CDI, visto que as taxas de juros sobem para frear a inflação, ou IMA-B e IMA-B5, que tem títulos com ganho prefixado acima da inflação (IPCA). Por isso, se o objetivo for proteção, não faz sentido alocar em ouro ou IFIX.
Análise dos ganhos reais
Mesmo que não exista uma correlação relevante, ouro e IFIX podem ter obtido ganhos acima da inflação por mérito próprio. Com isso em mente, nossa equipe se voltou para o retorno real desses ativos, e os comparou com aqueles do CDI, IMA-B e IMA-B5.
No caso do ouro, considerado a partir de 2004, de fato houve um ganho anualizado acima da inflação em 17 dos 19 períodos analisados, chegando a uma média de IPCA + 5,30%, a maior dentre os cinco ativos.
O IFIX, considerado desde 2011, obteve ganho real em 8 dos 12 cenários, mas teve o pior retorno médio anualizado, perdendo para inflação e entregando IPCA — 0,02% ao ano.
Embora o ouro tenha conseguido um retorno anualizado médio acima da inflação, esse também foi o caso do CDI, IMA-B e IMA-B5, que não ficaram muito distantes. O CDI, considerado desde 1995, obteve um retorno anualizado médio de IPCA + 3,82%. Enquanto isso, IMA-B e IMA-B5, considerados desde 2004, ficaram com IPCA + 4,11% e IPCA + 4,49%.
O risco acumulado de cada ativo
Com todos esses pontos em mente, nosso próximo passo foi analisar o tamanho do risco envolvido em cada um dos ativos. Utilizamos o desvio padrão acumulado em cada cenário, e isso nos informa do quanto um resultado individual tende a se distanciar da média de retorno, para cima ou para baixo.
O CDI, considerado o ativo livre de risco, tem a menor volatilidade média, com 0,25%. Em seguida vem o IMA-B5, com 3,04% e IMA-B, com 7,34%. O IFIX, que como vimos não conseguiu gerar ganhos reais na média, teve uma volatilidade média de 8,81% — agregando muito risco, pouca eficiência na geração de retornos.
O destaque fica para a volatilidade do ouro, com média de 23,01%. Esse é um risco muito alto que os demais ativos, especialmente considerando que seu ganho real médio foi apenas 0,8% a.a. a mais que o do IMA-B5, que tem um risco 7,5 vezes mais baixo — composto por ativos com retorno fixado acima da inflação.
Eu deveria investir em ouro e FIIs?
A resposta mais simples é que se você está buscando se proteger contra a inflação, tanto o ouro quanto os fundos imobiliários não são boas escolhas. Nesse quesito, CDI, IMA-B e IMA-B5 tem muito menos riscos, mas, ao mesmo tempo, são bem mais capazes de oferecer um ganho real no curto, médio e longo prazo.
Desconsiderando correlação com o IPCA, o ouro de fato gerou ganhos mais altos no agregado. Entretanto, quando consideramos a volatilidade desse ativo e lembramos que ela está em linha com a bolsa dos EUA (S&P 500), um ETF que replica esse índice seria uma opção muito mais rentável e segura. Isso, pois, diferente do ouro, envolve aplicar em empresas e não num ativo especulativo (ouro).
Em linhas gerais, especialmente para quem está investindo por conta própria, não é interessante buscar exposição nem a fundos imobiliários, nem ao ouro — razão pela qual as carteiras que recomendamos tem pouquíssimo espaço para essas classes. Uma carteira com um bom índice de ações nacional, como o IBRX, um bom índice global ou internacional (S&P 500 ou VT), além de renda fixa nacional, tende a oferecer o melhor retorno pelo menor custo possível.
Se a ideia for estruturar carteiras mais complexas, com posições em classes de ativos mais complexas, a sugestão é buscar o auxílio de profissionais com alto grau de qualificação, como na Portfel. Isso porque, enquanto consultoria patrimonial embasada por dados e estudos científicos, levamos nossas análises muito a sério.
Se você quiser saber mais, pode conhecer um pouco do nosso trabalho em: www.portfel.com.br